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Monografias

 

ANÁLISE DE MATEUS

 

Por

 

Luiz Antonio Costa Tarcitano

 

 

 

Monografia de Conclusão de Curso

FACULDADE TEOLÓGICA CHARISMA

BACHAREL EM TEOLOGIA

Orientador Prof. Alexandre Botelho José

 

 

 

 

 

Rio de Janeiro,RJ

Março,2003

 

 

SUMÁRIO

 

RESUMO....................................................................................... 4

INTRODUÇÃO....................................................................... 6

CAPÍTULO I - A ORIGEM E A INFÂNCIA DE JESUS, O MESSIAS

1.1 - A GENALOGIA DO REI.................................................. 10

1.2 - O NASCIMENTO DO REI............................................... 12

1.2.1 - Anúncio a José e Nascimento de Jesus............................                   1.2.2 - Adoração dos Magos.......................................................................................

1.2.3 - "Do Egito Chamei o Meu Filho"...................................... 15

CAPÍTULO II - A VINDA DO REINO

2.1 - O INÍCIO DO REINO DE JESUS..................................... 17

2.1.1 - O Ministério de João Batista............................................ 17

2.1.2 - Jesus é Batizado por João............................................... 20

2.1.3 - A Tentação no Deserto................................................... 23

2.2 - O ANÚNCIO DO REINO................................................. 25

2.3 - O PRIMEIRO DISCURSO: O SERMÃO DO MONTE..... 27

2.3.1 - As Bem-Aventuranças.................................................... 27

2.3.2 - Interpretando a Lei para o Reino..................................... 35

2.3.3 - A Piedade do Reino: Caridade, Oração, Jejum................. 37

2.3.4 - Um Coração para o Reino.............................................. 41

2.3.5 - Os Padrões de Julgamento do Reino............................... 43

CAPÍTULO III - AS OBRAS DO REINO

3.1 - Cura dos Enfermos e o Chamado dos Discípulos............... 49

3.2 - O Segundo Discurso: A Missão do Reino.......................... 55

CAPÍTULO IV - A NATUREZA DO REINO

4.1 - A IDENTIDADE DE JOÃO E DE JESUS.......................... 58

4.1.1 - Resposta às Obras de Jesus e de João............................. 58

4.1.2 - Jesus, O Senhor do Sábado............................................ 60

4.1.3 - O Começo da Oposição a Jesus..................................... 61

4.2 - O TERCEIRO DISCURSO:AS PARÁBOLAS DO REINO 64

CAPÍTULO V - A AUTORIDADE DO REINO

5.1 - O CARÁTER E A ATITUDE DE JESUS.......................... 65

5.1.1 - A Morte de João Batista.................................................. 65

 

5.1.2 - Alimentando as Multidões e o

             Fermento dos Fariseus.................................................. 66

5.1.3 - Revelando o Filho de Deus e sua Missão......................... 71

5.2 - O QUARTO DISCURSO: O CARÁTER E A

          AUTORIDADE DA IGREJA........................................... 73

CAPÍTULO VI - AS BÊNÇÃOS E OS JULGAMENTOS DO REINO

6.1 - DA GALILÉIA A JERUSALÉM........................................ 80

6.1.1 - A Vida Familiar do Reino................................................ 80

6.1.2 - A Entrada no Reino........................................................ 85

6.1.3 - Abrindo os Olhos dos Cegos Espirituais e Físicos.......... 88

6.2 - O REI ENTRA EM JERUSALÉM..................................... 89

6.2.1 - Entrada Triunfal e Purificação do Templo........................ 89

6.2.2 - Parábolas a Respeito da Resistência ao Rei..................... 91

6.2.3 - Conflitos com Fariseus e Saduceus................................. 94

6.3 - O QUINTO DISCURSO: O JULGAMENTO DO REINO. 96

6.3.1 - Sinais do Fim dos Tempos............................................. 96

6.3.2 - Parábolas Aconselhando Vigilância................................. 99

CAPÍTULO VII - PAIXÃO E RESSURREIÇÃO

7.1 - TRAIÇÃO E APRISIONAMENTO.................................. 105

7.1.1 - Preparação para a Morte de Jesus................................... 105

7.1.2 - A Última Ceia e Getsêmani.............................................. 108

7.2 - O JULGAMENTO E EXECUÇÃO DO REI...................... 110

7.2.1 - Julgamento Religioso Diante do Sinédrio......................... 110

7.2.2 - Julgamento Civil perante Pilatos....................................... 112

7.2.3 - A Crucificação............................................................... 114

7.3 - SEPULTAMENTO E RESSURREIÇÃO.......................... 115

7.3.1 - Guardando o Túmulo..................................................... 115

7.3.2 - A Ressurreição............................................................... 118

7.3.3 - A Grande Comissão....................................................... 120

CONCLUSÃO......................................................................... 123

BIBLIOGRAFIA..................................................................... 127

 

 

                                                                                                        

 

RESUMO

 

 

          Mateus apresenta Jesus como o cumprimento da esperança profética de Israel. Ele cumpre as profecias do Antigo Testamento, a saber, o modo como Jesus nasceu, o lugar de seu nascimento, o seu regresso do Egito, sua residência em Nazaré; como aquele, para o qual estaria predito um precursor messiânico; o território principal de seu Ministério público, o seu Ministério de cura, a sua missão como servo de Deus, os ensinamentos por parábolas, a sua entrada triunfal em Jerusalém, a sua prisão. Cinco principais Sermões e cinco principais narrativas de Jesus são registradas em torno dos seus atos como o Messias. Estes discursos aparecem no Evangelho precedidos e seguidos por determinadas fórmulas literárias que servem de marco dramático a cada composição. O tema predominante desta obra é o Reino de Deus, geralmente designado neste Evangelho como "Reino dos Céus" e focalizado na sua dupla realidade, presente e futura. A proclamação da proximidade do Reino é também o anúncio de que Jesus encarrega os seus discípulos, aos quais, depois de ressuscitado, prometeu a sua permanência duradoura no

meio deles. O autor destaca os padrões de retidão do Reino de Deus e o conseqüente poder divino ora em operação, sobre o pecado, a doença, os demônios e a morte, ressalta ainda o triunfo futuro do Reino, na vitória final de Cristo, no fim dos tempos. Ademais, Mateus é o único Evangelho que menciona a Igreja como entidade futura pertencente a Jesus, e este fato, é da maior relevância.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Embora este Evangelho não identifique seu autor, a antiga tradição da igreja o atribui a Mateus, o apóstolo cobrador de impostos. Pouco se sabe sobre ele, além de seu nome e ocupação. A tradição diz que nos quinze anos após a ressurreição de Jesus, ele pregou na Palestina e depois conduziu campanhas missionárias em outras nações.

          Em nossos dias, todos os interessados no ensino e no estudo do Novo Testamento não podem deixar de preocupar-se com a falta de que evitem extremos de serem excessivamente técnicos ou excessivamente breves, deixando de ser úteis. Espera-se que o presente trabalho faça algo para suprir tal deficiência.

          As evidências externas, como citações na literatura cristã do séc. I testemunham desde cedo a existência e o uso de Mateus. Líderes da igreja dos séculos II e III geralmente concordam que Mateus foi o primeiro Evangelho a ser escrito, e várias declarações em seus escritos indicam uma data entre 50 e 65 d.C. Entretanto, muitos eruditos modernos acreditam que tanto Mateus quanto Lucas basearam-se em Marcos para escrever seus Evangelhos, e datam Mateus posteriormente. A tensão ininterrupta entre judeus e cristãos que é refletida no Evangelho sugere um período em que o Judaísmo e o Cristianismo ainda se sobrepunham.

          As pressuposições de qualquer indivíduo podem influenciar diretamente a perspectiva com que se estuda e se encara certos fatos. Por esta razão, as questões críticas não serão negligenciadas, muito embora sumariamente discutidas. Confessa-se que, com freqüência, obter-se maior aprendizado daqueles aos quais se discorda, todavia, tem-se certeza que serão apresentados os pontos de vistas de alguns eruditos com fidelidade, de forma que se possa refletir sobre valores, problemas e/ou chegar a possíveis soluções, uma vez que Mateus, como homem de mente organizada, estrutura o Evangelho no estilo rabínico para que a mensagem seja entendida pelos leitores.

          Mateus aponta para todo o ministério da pessoa de Jesus. Nele, o Deus que habitava na eternidade vai se tornar próximo de nós, morando no nosso meio, participando de nossa vida, nossas aspirações, lutas e realizações. "Eis que estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo". (Mt. 28:20).

          Na Bíblia, a justiça é a vontade de Deus, o seu projeto eterno. Somos justos e praticamos a justiça quando deixamos que Deus realize a sua vontade entre nós e, através de Jesus, realize o seu projeto.

          O Novo Testamento apresenta os dois pontos fundamentais desse "projeto". No livro do Êxodo podemos ver que Deus quer liberdade para todos, em primeiro lugar para os que não a têm, uma vez que foram roubados pelos que são dominados pela ganância do poder. Por outro lado, o livro do Gênesis mostra que Deus criou tudo vivo, e endereçou tudo para a vida. Também nós, lá no fundo de nós mesmos, desejamos ardentemente a mesma coisa. O único problema entre Deus e nós é que Deus quer isso "para todos". E isso é justiça. Todos têm igualmente direito à vida e à liberdade. Liberdade para ser, para descobrir como ser único e participar dos rumos da sociedade e da história. Vida a ser usufruída por todos, através da partilha de bens que sustentam e promovem a vida humana.

          O propósito de Mateus fica claro em 6: 25-34. Depois de falar sobre a preocupação contínua que os pobres têm com a comida, a bebida e a roupa, coisas de primeira necessidade, ele acrescenta: "Em primeiro lugar, busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas as coisas". (Mt. 6:33).

          Aí está. Não adianta pensar em curar os sintomas. Mister se faz curar a sua causa. Se não se tem o que comer, beber e vestir (e casa, e escola, e assistência médica, e lazer, e descanso,...), não adianta ficar preocupado afanosamente com isso. Quando o povo não tem liberdade e vida, isto é sinal de que está havendo "injustiça". Ninguém precisa de bondade (que, em geral, só serve para esconder a injustiça). Todos precisam da Justiça de Deus, do seu Reino, onde todos podem igualmente ter acesso aos bens da liberdade e da vida. Quando há justiça, todos podem viver dignamente, com todas as suas necessidades satisfeitas.

          O Jesus de Mateus é, portanto, o mestre da Justiça. Com sua presença, palavra e ação, ele nos ensina a lutar pela justiça que liberta a todos para uma vida digna. E isso não deve ficar dentro da comunidade evangélica, apenas. Deve ser ensinado a todos. Daí os frutos que deste tema poderão germinar: "aprender de Jesus (nas palavras de Mateus) qual é a justiça que Deus quer".

 

CAPÍTULO  I   -   A ORIGEM E A INFÂNCIA DE JESUS, O MESSIAS

 

1.1   - A GENEALOGIA DO REI

 

          O Evangelho segundo Mateus se abre com a árvore genealógica de Cristo. Para muitos leitores da atualidade, esta lista de nomes não seria provavelmente de nenhum interesse, e deveria ser passada por alto. Contudo, devemos ter em mente que Mateus escreveu principalmente para os judeus. Isso também explica o fato de que ele começa a linha de descendência com a pessoa de Abraão, e não recua até Adão com Lucas faz. Ora, para os judeus, as genealogias nunca eram de pouca importância. Depois da conquista de Canaã, era importante determinar o local de residência da família; porque a ocupação da terra era por lei divina segundo as tribos, as famílias e as casas dos pais. Se alguém viesse a estabelecer-se num outro território que não fosse o seu próprio, poderia ser qualificado como "desertor".

          A genealogia apresentada em Mateus não é simplesmente um apêndice, mas se acha estritamente relacionada com a substância de todo o capítulo; num sentido mais amplo, ela se relaciona com o conteúdo de todo o livro. Assim, no cabeçalho da genealogia, Jesus Cristo é intitulado "o filho de Davi". Esta expressão reaparece no v. 20, onde é aplicada a José, o "pai" de Jesus. Porém observa-se a forma bastante cuidadosa em que a relação de José com Jesus é descrita no v.16. Por este versículo fica evidente que o evangelista está propositalmente impedindo a possibilidade de que o leitor venha a pensar que José é o pai físico de Cristo. O que ele deixa subentendido a partir desta genealogia é que, embora Maria seja de fato a mãe de Jesus, José era o seu pai, não no sentido natural, e sim, somente no sentido legal. E é precisamente neste ponto que se nos revela que quem é o Filho do homem é também o Filho de Deus. Ele é a genuína semente de Davi e de Abraão, o cumprimento da profecia. Somente ele é a Esperança de Israel e da Humanidade.

          Além disso, em todo o seu Evangelho o autor apresenta a grandeza de Cristo, tal como revelada em sua gloriosa origem e na forma maravilhosa em que ele consumou a tarefa que lhe foi designada pelo Pai. Portanto, o filho de Davi é inquestionavelmente também o Senhor de Davi.

          O registro dos ancestrais de Jesus, filho de Davi, filho de Abraão personifica um cabeçalho de toda genealogia, denominado biblos geneseos de Jesus Cristo. A palavra biblos pode referir-se a um livro, como em Josefo, papiros, etc., ou a um livro sagrado; por exemplo, "o livro da vida". A palavra que vem em seguida - geneseos - é o genitivo da palavra gênesis. Toda a expressão - biblos geneseos - significa, pois, registro do princípio, da origem ou dos ancestrais.

          A estrutura da genealogia aqui em Mateus, conecta Jesus com Davi. Ela consiste de três grupos de quatorze. No primeiro grupo nos é transmitida a origem da casa de Davi; no segundo, seu progresso e declínio; no último, seu eclipse. Todavia, mesmo um eclipse não é necessário total e nem significa extinção. Ou, mudando de figura, corta-se uma árvore, porém o seu cepo permanece fincado no chão. No presente caso, desse cepo emerge um broto, e esse se converte numa enorme árvore. Em Davi a família alcançou a realeza. Na deportação da Babilônia esse poder real se perdeu. Em Cristo ele é restaurado, só que num sentido muito mais glorioso.

          Assim, segundo Mateus, Jesus é o clímax dos três quatorze. Ele é o Alfa e o Omega, o Princípio e o Fim, o coração e o centro de tudo. Fora dele não existe salvação. Ele é o Messias, o autêntico antítipo de Davi. E no curso da história da redenção, como aqui simbolizada em três grandes etapas, o plano de Deus, traçado desde a eternidade, foi perfeitamente realizado.

          Portanto, Mateus, por meio desta genealogia e de sua seqüência, pretende mostrar que Jesus, segundo sua natureza humana, é certamente a legítima semente de Davi, em cumprimento da profecia. De José, seu pai legal - e assim do ancestral de José, Davi -, Jesus recebe seu direito ao trono de Davi. De Maria - e por meio de Maria, também da linhagem de Davi - Jesus recebe a carne e sangue de Davi.

 

1.2   - O NASCIMENTO DO REI

 

          O que já estava implícito na genealogia é aqui claramente ensinado: Ora, o nascimento de Jesus Cristo aconteceu assim: Quando sua mãe Maria se desposou de José, antes que começassem a viver juntos, achou-se ela grávida pelo Espírito Santo.

          Maria havia sido desposada, solenemente prometida em matrimônio, por José. A festa de núpcias e o viver juntos era uma questão de tempo. Mateus toma como ponto de partida um tempo pouco depois ao dos esponsais. O noivo e a noiva juravam fidelidade mútua na presença de testemunhas. Num sentido restrito, isso era essencialmente o matrimônio e, desde aquele momento, José é chamado esposo de Maria. Segundo o Antigo Testamento, a infidelidade de uma mulher desposada era castigada com a morte. Todavia, ainda que os dois estivessem agora legalmente "desposados", considerava-se próprio que passasse um intervalo de tempo antes que marido e mulher começassem a viver juntos na mesma casa. Ora, foi antes que José e Maria começassem então a viver juntos, com tudo que o implica o viver doméstico e as relações sexuais, que Maria descobriu estar grávida. Ela ainda era virgem, e não estava casada no sentido pleno da palavra.

          Naturalmente que José tomou ciência da condição de Maria. A sua reação é assim descrita: Ora, José, seu esposo, resolvido fazer o que era justo e querendo expô-la ao vexame público, tinha em vista divorciar-se dela em silêncio. Ignorando a razão da condição de Maria e tirando a conclusão natural, isto é, que Maria lhe fará infiel, José não consegui ver uma forma clara de levar Maria para casa e viver com ela na relação costumeira de casados. Não quebrara ela o seu solene juramento? José deve ter sofrido muito sobre o que fazer corretamente em tais circunstâncias. Ele amava Maria e queria tê-la consigo como sua esposa, porém, acima de tudo, ele era um homem justo, um homem de princípios, que de todo o coração queria viver de conformidade com a vontade de Deus, o Deus que levava tão a sério a quebra dos votos matrimoniais. Contudo, José era também um homem bom.

 

1.2.1 - Anúncio a José e o nascimento de Jesus

          Enquanto estas coisas giravam na mente de José, ele cai no sonho e começa a sonhar. Num ato dramaticamente repentino, durante este sonho um anjo - não se nos revela o seu nome - aparece e lhe comunica a informação que já fora dada a Maria, ou seja, que Maria concebera pelo poder do Espírito Santo e não pelas vias naturais. Para fortalecê-lo e conforta-lo, o anjo se lhe dirige como filho de Davi. O anjo diz a José que não hesitasse ou temesse em assumir Maria, sua esposa, e que a levasse para sua casa. As palavras "não hesites" subentendem que havia algo no mais profundo do coração de José que revelava que ele não queria realmente recebe-la, porém não se atrevia? Então que ele não temesse cumprir o seu desejo e o de Maria, porquanto o único obstáculo fora retirado: Maria não fora infiel! José pode confiar em levar sua esposa para sua casa; de fato é-lhe ordenado faze-lo.

          A mensagem do anjo prossegue: Ela dará à luz um filho, e chamarás o seu nome Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados. Todos se interessam pelo nascimento deste menino: O Espírito Santo, pelo exercício de cujo poder a criança é concebida; Maria, que, sendo o instrumento voluntário do Espírito na concepção e no nascimento da criança, torna-se "bendita entre as mulheres"; e José que, tal como Maria, recebe ordem de dar nome ao menino, todavia, não pode ser qualquer nome, senão o nome de Jesus.

          É sempre Deus, unicamente Deus que, em seu filho e por meio dele, salva o seu povo. Enquanto alguns confiam em carros e outros em cavalos, na força física, no conhecimento, na reputação, no prestígio, na posição, na tecnologia grandiosa e impressionantemente, nos amigos influentes e nos generais intrépidos, nenhuma destas coisas, operando singularmente ou em conjunto com todas as demais, é capaz de livrar o homem de seu principal inimigo que pouco a pouco vai consumindo seu próprio coração, ou seja: o pecado; ou, como aqui, os pecados, de pensamentos, de palavras e de atos; os de omissão, os de comissão e os de disposição interior. Todas aquelas várias formas em que o homem "erra o alvo", isto é, a glória de Deus. Limpar corações e vidas requer nada menos que a morte redentora de Jesus e o poder santificador de seu Espírito.

          Termina a mensagem do anjo. Mateus mesmo resume agora o seu relato, mostrando que o nascimento virginal desta gloriosa criança que será o Salvador é o cumprimento da profecia.

          Às vezes é dito que a doutrina do nascimento virginal não é essencial, uma vez que, se Deus quisesse fazê-lo, ele poderia ter feito que seu filho fosse concebido e nascido de alguma outra forma. Todavia, o que Deus poderia ou não ter feito é uma questão especulativa em que não se faz mister penetrar. Fato é que Jesus foi concebido pelo Espírito Santo e que nasceu da virgem Maria. Como fica amplamente demonstrado no Credo dos Apóstolos e está firmemente radicado na Escritura. Além do mais, ele inextricavelmente combina com o restante da verdade revelada. O cristo sobrenatural e a salvação sobrenatural levam consigo, por conseqüência inevitável, o nascimento inevitável. Além disso, se Cristo tivesse sido o filho de Maria por geração ordinária, teria ele sido uma pessoa humana e, como tal, um participante da culpa de Adão, e, por isso, um pecador, incapaz de salvar a si mesmo, daí também incapaz de livrar outros dos seus pecados. Para que pudesse nos salvar, o Redentor tinha que ser Deus e homem, homem sem pecado, numa só pessoa. A doutrina do nascimento virginal satisfaz a todas estas exigências.

          A história é assim encerrada: Ao despertar do sonho, José fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e levou sua esposa para casa, porém não teve relações sexuais com ela até que deu à luz um filho; e o chamou Jesus.

          Embora José e Maria agora estivessem juntos na mesma casa, não praticaram relações sexuais um com o outro até que Maria deu à luz a Jesus. Essa decisão teria sido motivada pela elevada consideração que o casal tinha por aquele que fora concebido? Ou se abstiveram para evitar qualquer alegação de que o próprio José era o pai da criança? Seja o que for que tenha levado o casal a evitar relações sexuais, há razão suficiente para crer que depois do nascimento da criança a abstenção foi interrompida. Esta conclusão não pode ser baseada simplesmente na negativa ligada à partícula "até". Este vocábulo nem sempre, introduz um acontecimento (neste caso: ela deu à luz um filho) pelo qual a situação anterior (o casal não teve relações sexuais) é invertida (agora começaram a ter relações sexuais). Nada obstante, também é verdade que amiúde, em tais casos, sugere-se uma completa inversão na situação. Cada caso deve ser julgado segundo seus próprios méritos. No presente caso, a posição que se opõe à perpétua virgindade de Maria é corroborada pelas seguintes considerações: Em consonância com o Antigo e o Novo Testamentos, a vivência sexual entre o casal - marido e esposa - é divinamente aprovada. A incontinência é definitivamente condenada. Porém, não se atribui santidade especial à abstenção total ou ao celibato. Outrossim, É-nos dito, de forma iniludível, que Jesus teve irmãos e irmãs, evidentemente membros com ele da mesma família. Em Lucas 2:7, observamos que Jesus era o "primogênito" de Maria. O peso da prova paira inteiramente sobre aqueles que negam que, depois do nascimento de Cristo, José e Maria entraram em todas as relações comumente associadas ao matrimônio.

          Ao despertar do sonho, José fez precisamente o que o anjo lhe ordenara. Não só levou sua esposa para casa consigo, mas também, ao nascer o menino, ele o chamou Jesus. Certamente que, ao fazer isso, José e Maria agiram em perfeita harmonia.

 

1.2.2 - Adoração dos Magos

          De conformidade com a promessa de Deus, Jesus é o herdeiro legítimo do trono de Davi. Ele é o Filho cujo trono será estabelecido para sempre. Portanto, convinha que lhe fosse atribuída homenagem real, e isso não só por parte dos judeus, mas também dos gentios, porquanto ele é o Senhor de todos, e o chamamento do Evangelho se dirige a todos, sem levar em consideração raça ou nacionalidade.

          Logo depois do nascimento de Jesus, chegaram a Jerusalém uns "magos". Sua inesperada aparição despertou considerável interesse, acerca do qual Mateus quer que seus leitores sejam participantes; por isso escreve: "eis". Quem, pois, eram esses magos? De onde vinham? A expressão "do Oriente" é bastante indefinida. Vinham das regiões habitadas pelos medos e persas, como alguns pensam, ou de Babilônia, como outros afirmam com tanta confiança?

          Infere-se que sabemos muito pouco acerca dos magos mencionados em Mt 2. Todavia, pelas descrições de suas ações, sabemos que eram merecedores do qualificativo de "sábios". A melhor direção a seguir parece ser a de aderirmos estritamente ao texto e reconhecermos que esses magos vieram do "Oriente", com toda probabilidade de uma das duas áreas favorecidas.

          Não ficou registrado quantos magos havia O fato de oferecerem à criança três presentes tem suscitado a teoria de que havia três homens. Tampouco existe qualquer base para afirmação de que esses homens eram "reis". Acrescentem-se igualmente os nomes místicos destes magos: Melquior, Baltazar e Gaspar; a crença de que um veio da Índia, um do Egito e o outro da Grécia; que foram subseqüentemente batizados por Tomé; e que seus ossos foram descobertos por Santa Helena, foram depositados na igreja de Santa Sofia em Constantinopla, foram transferidos para Milão e foram, finalmente, levados para a grande catedral de Colômbia. Deverás é preciso ser muito crédulo para aceitar tudo isso!

          Por outro lado, todas as opiniões no tocante ao como e ao porquê os magos relacionaram o aparecimento da estrela com o nascimento do Messias não passam de conjecturas. Contudo, é precisamente este fato que faz a história de Mateus tão bela e instrutiva. Tudo mais é deixado fora do quadro a fim de que toda a ênfase seja calcada naquilo que é o mais importante: Viemos adora´-lo. Não se nos dá descrição detalhada da estrela. Não se nos diz como os magos relacionaram a estrela com o nascimento. Não se diz quantos magos eram, como estavam vestidos, como morreram, ou onde foram sepultados. Tudo isso, e muito mais, foi intencionalmente deixado envolto em sombra com o fito de que contra este fundo escuro a luz pudesse brilhar com muito maior resplendor. Estes magos, quem quer que tenham sido, de onde quer que tenham vindo, vieram para adorá-lo!

          O rei Herodes foi informado de estranhos tinham chegado de terras distantes, perguntando pelo paradeiro de uma criança recém-nascida, a quem chamavam "o rei dos judeus". Ao ouvir tal notícia, Herodes se sentiu atemorizado, apavorado. Ora, não era ele, Herodes, o único "rei dos judeus?" Em sua mente depravada um plano perverso começa a tomar forma.

          O rei estava equivocado. Pelo relato de Mateus não parece que a população hierosolmitana se mostrasse profundamente impressionada com a pergunta dos magos. Nada estava sendo planejado que possuísse a natureza de uma revolta. Não obstante, "toda a Jerusalém" estava deveras alarmada, pois o povo aprendera por meio de longa e dolorosa experiência que havia limites na ira e sede de vingança de um Herodes completamente alarmado. Todos estavam assustados ante ao prenúncio de novas atrocidades que se lhes deparavam. Como o demonstraram os fatos futuros, eles tinham razão de estar assim assustados.

          A jornada dos magos atinge o seu clímax no v.11. As cenas da natividade retratam a chegada dos magos. Até onde os magos entendiam esta verdade não sabemos. Porém sabemos, sim, que ao verem-no se prostraram em terra e o adoraram; literalmente, reverenciaram-no como o Messias, o rei dos judeus. Ao lhe oferecerem seus tesouros (ouro, incenso e mirra), e seu propósito é o de honrar a criança.

          E tendo sido advertidos em sonho a não retornar a Herodes, voltaram ao seu país por um caminho diferente. Mateus faz menção dos sonhos como meio de revelação divina em diversas passagens de seu Evangelho.

 

1.2.3 - "Do Egito chamei o meu filho"

          José e Maria devem ter sentido grandemente consolados pela chegada dos magos e pelo que eles fizeram. Era uma confirmação de todas as coisas que haviam sido anteriormente ditas acerca da criança. Mas, um anjo do Senhor apareceu a José em sonho, dizendo: "Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e permanece lá até que diga (que voltes), porque Herodes vai procurar pelo menino a fim de destruí-lo". Nesta ordem, revela-se o cuidado protetor de Deus, a crueldade de Herodes e outra etapa na humilhação do menino. Por que a fuga tinha que ser para o Egito? Porque o Egito não era tão longe como Babilônia ou Pérsia; porque muitos judeus viviam lá, de modo que não se deve ignorar a possibilidade de que a sagrada família pudesse viver por algum tempo entre conhecidos; porque o Egito fica fora da jurisdição de Herodes; porque assim a profecia de Oséias poderia cumprir-se afinal.

          José fez como o anjo do Senhor lhe ordenara. Levantou-se à noite, e com a criança e sua mãe partiram para uma terra estranha, com ordens de permanecer lá até que o anjo voltasse a aparecer, o que certamente foi-lhe muito difícil. Porém, José era o tipo de pessoa que obedece sem fazer perguntas. Assim, na escuridão da noite ele foge de Belém em direção ao Egito. Quanto aos detalhes da chegada ao Egito, da procura de alojamento, etc., nada se registra. Muito menos sabemos quanto tempo a família sagrada permaneceu ali. De todas as opiniões que se têm expresso acerca deste tema, aquela segundo a qual o nascimento de Jesus ocorreu no último ano de vida de Herodes, e a volta do Egito ocorreu pouco depois da morte deste rei, parece ser a melhor. Note-se que a matança das criancinhas, que deve ter ocorrido logo depois da partida dos magos, é seguida imediatamente pela declaração: "Ora, quando Herodes morreu".

 

CAPÍTULO II  -  A VINDA DO REINO

 

2.1 - O INÍCIO DO REINO DE JESUS

 

2.1.1 - O ministério de João Batista

          Tudo em João era surpreendente: seu aparecimento repentino, seu modo de vestir, sua alimentação, sua pregação e seu batismo.

          Ele pregava dizendo: Convertam-se...Sua mensagem não era prolixa, porém concisa; não era complacente, porém perscrutadora da alma; não era bajuladora, porém assustadora, pelo menos em grau considerável. Ele era um pregador de condenação iminente, uma catástrofe que só poderia ser evitada mediante uma reviravolta radical do coração e da mente. A essência de sua mensagem está aqui no v.2. Ele enfatiza a genuína tristeza pelo pecado e uma sincera resolução de romper com o passado pecaminoso. Porém, o arrependimento, ainda que básico, é apenas um lado da moeda. Ele pode ser denominado de o aspecto negativo. O lado positivo é a produção de frutos. Portanto, a tradução "convertei-vos" é provavelmente melhor que "arrependei-vos". Além disso, a conversão afeta não só as emoções, mas também a mente e a vontade.

          É preciso frisar ainda que embora João atribuísse considerável importância ao batismo, batizasse a muitos e, portanto, fosse chamado "o Batista", ele não considerava que este rito tivesse algum significado salvífico sem a transformação fundamental de vida indicada pela conversão. É nisso que ele punha maior ênfase.

          Às palavras "convertei-vos" João acresce: porque o reino dos céus está próximo. Neste laço, João queria dizer que estava começando a dispensação na qual, pelo cumprimento das profecias messiânicas, o reino dos céus, no coração e na vida dos homens, começaria a manifestar-se de uma forma mais poderosa do que jamais aconteceu; em certo sentido já tinha chegado. Grandes bênçãos estavam reservadas para todos aqueles que, pela graça soberana, confessassem e abandonassem seus pecados e começassem a viver para a glória de Deus. Por outro lado, a condenação estava prestes a cair sobre os impertinentes. Como soberano Senhor, Deus estava prestes a manifestar-se de forma mais ativa, tanto para a salvação como para a condenação. João Batista punha ênfase nesta última, ainda que, com certeza, não omitiu a primeira. Para escapar à punição e receber a bênção, os homens precisavam experimentar a mudança radical que já foi descrita.

          A longa vestimenta de João, tecida de pêlos de camelo, nos lembra o manto de Elias, embora com uma diferença na descrição (cf. Mt 3:4 com 2Rs 1:8). A rústica vestimenta bem que poderia ser considerada como símbolo do ofício profético. Em todo caso, uma roupa assim era adequada para o deserto. Era durável e econômica. Jesus faz especial menção do fato de João não usar roupa fina. Ele não fora criado como um pequeno príncipe e nunca se vestira com elegância. O modo rústico de João se vestir harmonizava-se com sua mensagem. Imagine-se um "homem de vestes delicadas" como um pregador arrependido! As vestes rústicas harmonizavam-se com o papel deste austero pregador.

          O alimento de João era tão simples como suas vestes. Ele se mantinha com gafanhotos e mel silvestre, por certo o tipo de comida que se podia encontrar no deserto. O mel do tipo que é encontrado em estado silvestre não apresenta problema. Porém, gafanhotos! É bem possível que alguém estremeça só de pensar em comê-los, tendo retirado suas pernas e asas, tostado e assado seus corpos e acondicionando-lhes um pouco de sal. Não obstante, é evidente que o Senhor permitia - e, por implicação, encorajava - os israelitas a comerem quatro espécies de insetos que, popularmente, denominamos de "gafanhotos". Ainda hoje certas tribos árabes os degustam. E por que não? Os que se deleitam comendo camarões, mexilhões, ostras e pernas de rãs não deveriam estranhar os que comem gafanhotos.

          Todavia, não é necessário que se forneça um resumo completo da dieta de João Batista. A questão principal é que pelo seu modo simples de vida, colocado em evidência por meio de sua maneira de comer e se vestir, ele apresentava um protesto vivo contra todo egoísmo, autotolerância, frivolidade, negligência e falsa segurança com que tantas pessoas se lançavam em direção a sua própria condenação, e assim faziam com o juízo estando tão iminente.

          A enérgica e corajosa pregação de João era eficaz. Em número cada vez mais elevado, a população de Jerusalém, os habitantes da Judéia em geral e os que viviam em ambas as margens do Jordão saíam a ver e a ouvir João Batista. Todos o consideravam um profeta. Contudo, sem a confissão de pecados não havia batismo! Para aqueles que realmente se arrependiam de seu estado pecaminoso e sua conduta ímpia, o batismo, e jamais uma crisma em operação independente, era um sinal e selo visíveis da graça invisível, a graça do perdão dos pecados e da adoção na própria família de Deus.

 

2.1.2 - Jesus é batizado por João

          Então Jesus apareceu publicamente, (vindo) da Galiléia para o Jordão, com o fim de ser batizado por ele. No tocante ao tempo e lugar, Mateus registra as circunstâncias do batismo de Jesus de forma indefinida. O ministério de Jesus começa aqui: a expressão "apareceu publicamente" é a mesma usada em conexão com o princípio da obra de João Batista. Jesus veio ao Jordão com o propósito específico de ser batizado por João. Ele se apresenta e, com um gesto e/ou uma palavra, solicita que fosse batizado.

          João fica chocado. Provavelmente arrazoasse assim: "O que! Alguém com tanta dignidade e santidade pede para ser batizado? Naturalmente que não será por mim, alguém tão inferior em posição e santidade. Não deve ser. Não pode ser! Ao contrário, eu que devo ser batizado por ele!".

          João e Jesus eram parentes (Lc 1:42,43). Isabel, a mãe de João, estava bem informada em relação ao primogênito de Maria, acerca de quem se referia ela como "meu Senhor". Seria difícil conceber que ela não tivesse compartilhado seus conhecimentos com seu filho. O próprio fato de João suspeitar que a pessoa que agora tem diante de si para ser batizada era o Messias de quem falara antes o faz protestar com tanta energia.

          Em seu esforço para afastar o pedido de Jesus, arrazoando que o menor é que deveria ser abençoado pelo maior, não vice-versa, João dá expressão a sua consciência da necessidade de ser batizado por Jesus. Embora já tivesse recebido o Espírito Santo, ele deseja receber em maior medida sua presença e seus dons. Por outro lado, o que Jesus ainda não possuía e que poderia receber dele, João Batista: "e tu vens a mim?"

          E imediatamente, quando foi batizado e saiu da água, eis que os céus se abriram...! O modo do batismo - se Jesus estava de pé no Jordão, tendo os pés na água e João derramando ou esborrifando água em sua cabeça, ou tendo todo o seu corpo submerso - não nos é indicado nessa passagem. É natural supor que ele tenha descido até o barranco do rio e que, pelo menos, tenha dado alguns passos dentro d'água. O Espírito Santo não nos quis fornecer detalhes mais específicos acerca do modo como o batismo era praticado durante o período abrangido pelo Novo Testamento.

          O que é mesmo importante, tão importante que Mateus dirige a nossa atenção especial para isso, ao introduzi-lo "eis que", é que os céus se abriram. Foi certamente um milagre, o qual ocorreu diante dos olhos de todos os que estavam presentes ali com João e Jesus. De repente, os céus se abrem de par a par, e João viu o Espírito Santo! Naturalmente que o Espírito não possui corpo e não pode ser visto com os olhos físicos. Porém, diz-se-nos claramente que a terceira Pessoa da Trindade se manifestou a João sob o simbolismo de uma pomba. Ela foi vista descendo sobre Jesus. Não é claro por que Deus escolheu a forma de uma pomba para representar o Espírito Santo. Assim equiparado e qualificado, Cristo estava em condições de assumir a dificílima tarefa que o Pai lhe dera para fazer. Para salvar-nos do pecado, ele mesmo precisava ser puro. Para suportar o tormento, perdoar nossas iniqüidades e ter paciência com nossas fraquezas, precisava ser bondoso, manso e gracioso. Isso também ele possuiu numa medida superabundante, e ele disse aos seus seguidores que pela graça e poder de Deus, eles deveriam adquirir e exercer os mesmos dons.

          A presente reafirmação pelo Filho do seu desejo de levar sobre si uma tarefa que compreende tantos sofrimentos desperta uma imediata resposta de amor do coração do Pai, de modo que os céus se abrem e ouve-se uma voz, dizendo: "Este é o meu Filho, o Amado, em quem tenho prazer". Não se pode imaginar um sinal e selo de aprovação mais gloriosos.

          Assim o Pai, o Filho e o Espírito Santo cooperam entre si para levar a efeito a salvação do homem.

 

 

2.1.3 - A Tentação no Deserto

          Adão, ao ser tentado, fracassou. Cristo também precisa agora ser tentado, a fim de que, por meio de sua vitória sobre a tentação e sobre o tentador, ele possa desfazer os resultados do fracasso de Adão em benefício de todos os que nele crêem. Assim o Espírito Santo, que desceu sobre Jesus ao ser ele batizado, e jamais o deixará, o leva para o deserto para ser tentado pelo diabo.

          As três tentações ocorrem no final de um jejum de quarenta dias, de modo que Jesus estava muito faminto. "Visto que és o Filho de Deus", diz-lhe Satanás, provavelmente significando: "Visto que isso é o que o Pai te disse em teu batismo, e é o que crês, dize a estas pedras (do deserto) que se transformem em pão". Por que deveria ele prosseguir confiando no Pai por mais algum tempo? Por que, como Filho de Deus, revertido de poder, não deveria ele mesmo assumir o controle? Citando Dt 8:3, Jesus responde: "Não é só de pão que o homem viverá, mas de toda palavra que sai da boca de Deus". A vida não depende primariamente de pão, mas do poder sustentador e do amor de Deus. Jesus é o próprio Filho de Deus; por isso, o Pai o proverá para ele e o sustentará.

          "Comprova que confias nele", parece dizer-lhe Satanás, "lançando-te do pináculo do templo". Com o fito de encorajá-lo à ação, o diabo cita o Salmo 91:11,12, como se essa passagem justificasse a precipitação, substituindo a presunção pela fé. Jesus rejeita o ataque citando Dt 6:16: "Também está escrito: Não porás o Senhor teu Deus à prova".

          Finalmente, o que poderia ter sido a maior das tentações: Satanás está disposto a ceder o seu domínio, sua poderosa influência, esses reinos juntamente com todas as suas gloriosas riquezas, para que Jesus as possuísse e os contemplasse; isso, pelo menos, é o que ele disse. Ele fará isso com uma única condição: que "te prostres diante de mim e me adores". O Messias não precisa, de forma alguma, sofrer: nem coroa de espinhos, nem ignomínia, nem cruz. A resposta vem como uma flecha: "Vai-te, Satanás, porque está escrito: 'Ao Senhor teu Deus adorarás, e somente a ele servirás.'"

          Então, o diabo deixa Jesus por algum tempo. Os anjos vieram e prestaram seus serviços ao Vencedor.

          As lições a serem extraídas dessas tentação, podem ser sumariadas da seguinte forma: Devemos resistir ao diabo apelando para as Escrituras, como Jesus fez por três vezes consecutivas; descansemos seguros no fato de que Jesus, como representante de seu povo, prestou vicariamente a obediência que Adão, como representante da humanidade, deixou de prestar; recebamos conforto do fato de que temos um Sumo Sacerdote que, tendo sido, ele mesmo, tentado, está habilitado a socorrer-nos em nossas tentações; Observemos bem que, ao negar-se a dar ouvidos ao diabo, Jesus recebe as mesmas bênçãos que Satanás lhe oferecera. Todavia, é sentido muito mais glorioso, e com favor do Pai repousando sobre ele, que Jesus recebe forças para resistir fisicamente, o ministério dos anjos e a autoridade sobre os reinos do mundo.

 

2.2 - O ANÚNCIO DO REINO

 

          Talvez um ano depois dos acontecimentos do batismo e da tentação, Jesus se retirou para a Galiléia.

          Ele se afastou de Nazaré, que fora seu lar até a idade de trinta anos, e se estabeleceu em Cafarnaum, situada na costa a nordeste do Mar da Galiléia. Ele fez isso em cumprimento de Is 9:1,2.

          Além disso, João Batista fora encarcerado, e a atenção da população da Judéia, no meio da qual Jesus estivera trabalhando por algum tempo, agora se concentrou plenamente em seu grande Benfeitor, aquele que lhe fora apresentado pelo próprio João Batista. Jesus, por sua vez, sabia que se permanecesse mais tempo no sul, com os fariseus e saduceus ciumentos, provocaria uma crise prematura. Por isso, retirou-se para a Galiléia. Ele não deveria morrer antes do tempo determinado.

          Na Galiléia ele fez de Cafarnaum o seu quartel-general, e dali ele atravessou todo o território nortista, ensinando, pregando e curando, de tal forma que a luz da salvação raiou sobre os que anteriormente habitavam nas trevas da desesperança, e o reino dos céus começou a prosperar sobre a terra.

          Enquanto caminhava junto ao mar da Galiléia, Jesus chamou a si Pedro e André, que estavam pescando quando ouviram Jesus dizer-lhes: "Vinde, segui-me, e eu vos farei pescadores de homens". Eles imediatamente obedeceram. O mesmo fizeram Tiago e João, que um pouco mais tarde receberam um chamado semelhante, enquanto remendavam as redes. Estes quatro já conheciam o Mestre talvez havia um ano, e tinham passado algum tempo em sua companhia. Todavia, agora começam a preparar-se seriamente para o apostolado, ou seja, para serem enviados a proclamar as boas novas.

          A fama do ensino, da pregação e das obras de cura de Jesus Cristo se espalhou até muito longe. A Síria, para o norte, a Decápolis e a Peréia, para o Oriente, e ainda a Judéia, para o sul, estavam representadas nas grandes multidões que seguiam Jesus em suas jornadas pela Galiléia. Ele curou todos os atormentados, incluindo até mesmo os endemoninhados, os epiléticos e os para líticos. Curava-os imediata e completamente. Não fazia necessário um segundo tratamento. Restaurava-os porque lhes era solidário e os amava.

          Entre os muitos retratos artísticos do poder curador de Cristo, merecem menção especial os seguintes: A pintura de A. Deitrich, intitulada "Cristo, tem misericórdia de nós" (impressão e descrição em Cynthia P. Macrs, Christ and the Fine Arts, Nova York, 1959,pp.248-250); a pintura de J. M. F. H. Hofmann, "Cristo curando os enfermos" (cópia e interpretação em Albert Bailey, The Gospel in Art, Boston, 1946, pp. 188-192); e, por último, porém não menos importante, centrando-se sobre o mesmo tema, Rembrandt van Rijn, em sua gravura denominada "a gravura dos cem florins" (reprodução e notas marginais explicativas em Robert Wallace e os editores dos Livros Time-Life, The World of Rembrandt, Nova York, 1968, pp. 154-157).

 

2.3 - O PRIMEIRO DISCURSO: O SERMÃO DO MONTE

 

2.3.1 - As bem-aventuranças     

          Bem-aventurados (são) os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus. O mundo diz exatamente o oposto: "Bem-aventurados são os ricos", etc. Jesus diz: "Bem-aventurados são os pobres, os que choram, os mansos". Motivo: a condição exterior de alguém poderia ser muito invejável; no entanto, no final ela se desvanece como num sonho. Deus jamais fez uma alma tão pequena que fique satisfeita com o mundo inteiro. Todavia, são eternos o estado interior e o caráter da alma.

          Entretanto, Jesus não proclama que estas pessoas são bem-aventuradas em virtude de serem pobres de bens materiais, ainda que, em sua maioria, também o sejam. São chamadas de bem-aventuradas por serem pobres em espírito, não em espiritualidade, porém "com respeito a" seus respectivos espíritos; ou seja, são aquelas que se convenceram de sua pobreza espiritual. Tornaram-se conscientes de sua miséria e necessidade. Seu velho orgulho foi quebrado. São de um espírito contrito e tremente diante da palavra de Deus. Percebam sua total incapacidade, não esperam nada de si mesmas, e, sim, esperam tudo de Deus.

          Os pobres de espírito são também os que choram. É este aspecto de sua vida e conduta que surge em primeiro plano na segunda bem-aventurança: "Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados". De fato, bem-aventurada é aquela pessoa que, tendo dito: "Eu aqui pereço de fome", prossegue dizendo: "Pai, pequei contra ti". As pessoas choram por muitas razões: enfermidade, dor, luto, perda material, orgulho ferido, etc. No presente texto, contudo, o que se vê é um tipo de choro basicamente diferente. É o pranto daqueles que reconhecem sua bancarrota espiritual, e sentem - ou em breve irão sentir - fome e sede de justiça. Sem dúvida, quando uma pessoa deplora seu estado pecaminoso, também lamenta as conseqüências do mesmo.

          Não é necessário, contudo, limitar este choro ao que ocorre em decorrência dos próprios pecados individuais de uma pessoa: aqueles pelos quais pessoalmente ofendeu a Deus. Esse tipo de tristeza pode ser deveras pungente. Sem dúvida, porém, mais do que isso é incluído. O regenerado aprende a amar a Deus de tal forma que começará a chorar diante de todas as obras ímpias que os ímpios têm cometido de uma forma muito ímpia. O seu pranto, pois, está centrado em Deus, não no homem. Eles suspiram e clamam não somente diante de seus próprios pecados, não somente ante a soma destes com o poder dos ímpios em oprimir os justos, mas por causa da transgressão do cativeiro. Dilacera-lhes o fato de que Deus, o seu próprio Deus a quem amam, está sendo desonrado.

          A poderosa onda de emoção que caracteriza a efusão do coração expressa em Sl 119 e Dn 9 se coaduna com o presente contexto, pois a palavra traduzida por chorar, indica uma tristeza que emana do coração, toma posse da pessoa toda e se manifesta exteriormente.

          A bem-aventurança dessas pessoas consiste nisso: serão consoladas. A tristeza piedosa faz a alma olhar para Deus.  Deus, por sua vez, confere consolo aos que buscam para a ajuda dele. É ele quem perdoa, liberta, fortalece e acalma. Assim as lágrimas, como as gotas de chuva, caem na terra e sobem na forma de flores.

          Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. Há bem pouca diferença entre ser "pobre de espírito" e ser "manso". Não obstante, existe uma ligeira distinção, ou seja, que a primeira designação descreve o homem mais como é ele em si mesmo, ou seja, de coração quebrantado, enquanto a segunda o retrata mais especificamente em sua relação com Deus e com seu semelhante. Portanto, a fim de sabermos o que se quer dizer pela expressão "os mansos", observemos: Ele descreve a pessoa que não se ressente. Ela guarda rancor. Longe de seguir ruminando as injúrias recebidas, ela encontra seu refúgio no Senhor e confia-lhe inteiramente o seu caminho. Tudo ela faz em virtude do fato de que já morreu para toda a pretensão de ser justa em si mesma. Ela sabe que não pode reivindicar qualquer merecimento diante de Deus. Visto que o favor de Deus significa tudo para tal pessoa, ela aprendeu a suportar com alegria "o espólio de seus bens... sabendo que uma herança melhor e durável a aguarda". Contudo, mansidão não é sinônimo de fraqueza. A mansidão não consiste em falta de firmeza de caráter, uma característica da pessoa que está pronta a curvar-se ao sabor de toda brisa. Mansidão é submissão ante qualquer provação, a disposição de sofrer dano ao invés de causá-lo. A pessoa mansa deixa tudo nas mãos daquele que ama e que se importa.

          A bem-aventurança dos mansos consiste em "eles herdarão a terra". Em certo sentido herdam-na desde já, e isso por várias razões: por não darem a devida atenção ao seu próprio enriquecimento, mas, antes, em cumprir seu dever diante de Deus, e em cumprir sua tarefa na terra; em outras palavras, ao buscar em primeiro lugar e acima de tudo o reino de Deus e a sua justiça, "todas essas coisas" (comida, roupa, etc) lhes são graciosamente concedidas como um dom especial. A lei do resultado indireto de forma alguma é letra morta. Sua própria mansidão os faz uma bênção para os seus semelhantes, alguns dos quais também os abençoarão. Talvez possuam apenas uma pequena porção desta terra ou de bens terrenos, porém uma pequena porção com a bênção de Deus repousando sobre ela é muito mais do que as maiores riquezas sem a bênção de Deus.

          Das profundezas de sua consciência de pobreza espiritual, de seu pranto pelo pecado e de sua mansidão, os cidadãos do reino clamam a Deus pela plena satisfação de sua necessidade espiritual básica, ou seja, a justiça. A quarta bem-aventurança, portanto, segue de forma bastante natural: Bem-aventurados os famintos e os sedentos por justiça, porque eles serão plenamente saciados. Esta justiça consiste em uma perfeita conformidade com a santa lei de Deus, ou seja, com a sua vontade. É antes de tudo uma justiça por imputação. Ele (Abraão) creu no Senhor, e por isso lhe foi computado para justiça. O homem é incapaz de merecer este direito diante de Deus. Nenhuma soma de boas obras poderá expiar seu pecado. De fato, "Todas as nossas justiças (são) como trapo de imundícia". Nenhum tipo de purificação humana, seja cerimonial ou de outro tipo, pode lavar o pecado. Nenhuma soma de sacrifícios é capaz de extirpar a culpa humana. Nenhum mero ser humano é capaz de fazer expiação pelo pecado seu irmão. De fato, no tocante ao próprio homem, a situação é inteiramente sem remédio. Sua necessidade principal, básica e irremediável é estar ele em perfeita harmonia com Deus; e este é também o alvo que ele jamais poderá atingir: "como pode o homem ser justo para com Deus?" (Jô 9:2).

          Nessa situação irremediável e horrível foi que o Filho de Deus, de sua glória e soberania, entrou. Foi ele (juntamente com o Pai e o Espírito Santo, o único e verdadeiro Deus) que veio para o resgate, quando todos os demais meios fracassaram. A maneira como o resgate do pecador seria realizado e a salvação providenciada está claramente retratada em Is 53.

          Tudo isso, naturalmente, era do conhecimento de Jesus. Mesmo durante a sua vivência terrena ele era plenamente conhecedor de sua função como Substituto. Não precisamente com a finalidade de exercer este ofício que ele deixo o seu lar celestial? E não era precisamente em favor de seu povo que ele iria derramar o seu sangue? Além disso, o fato que a justiça do homem está baseada na misericórdia de Deus e não obras ou méritos humanos é uma verdade que não carecia esperar por Paulo (Rm 4:3,9; Gl 3:6) para ser descoberta. Não apenas Moisés a conheciam, mas certamente também Jesus.

          Não obstante, é evidente que aqui em Mateus, Cristo se refere a uma justiça não meramente por imputação, mas também por comunicação; refere-se não meramente a uma condição jurídica, mas também a uma conduta ética. Embora seja impossível que as boas obras justifiquem alguém, é igualmente impossível que uma pessoa justificada possa viver sem praticar boas obras. O termo "justiça", na forma que foi usada por Cristo, é, portanto, muito abrangente, envolvendo tanto o caráter forense como a de caráter ético.

          Com relação a justiça apresentada por Cristo e a "justiça dos fariseus" está em que a primeira é interior, e a segunda é geralmente exterior; a primeira é do coração, a segunda é predominantemente de aparência exterior; a primeira é genuína, a segunda é com muita freqüência um produto falsificado.

          "Porque eles serão plenamente saciados" (literalmente: "cheios"). Notar, contudo, que não se trata daqueles que meramente sentem que "algo vai mal", mas somente aqueles que têm "fome e sede" de justiça é que serão cheios. A justiça imputada e comunicada por Deus deve ser um objeto de intenso desejo, de ardente anelo e de busca incansável.

          A quinta, a sexta e a sétima bem-aventuranças descrevem os frutos da obra que Deus, por meio de seu Espírito, realiza no coração de seus filhos. Elas estão estritamente conectadas com o que imediatamente acontece. Aqueles que, de acordo com a quarta bem-aventurança, foram "cheios" ou "plenamente saciados" em resultado da misericórdia de Deus revelada em seu favor, por sua vez exercem agora misericórdia para com outrem (quinta bem-aventurança). Aqueles que experimentam a experiência purificadora do Espírito Santo se tornam puros de coração (sexta bem-aventurança). E, naturalmente, essas mesmas pessoas, uma vez salvas pelo Príncipe da Paz, são agora transformadas em pacificadores (sétima bem-aventurança).

          É impossível comprovar que misericordiosos, puros de coração e pacificadores representem uma seqüência que segue para um clímax ou que sejam a manifestação de um desenvolvimento gradual ascendente, passo a passo, na vida do crente. Não deixa de ser concebível de que a relação é como segue: os que vieram a ser misericordiosos estão conscientes do fato de que sua misericórdia ainda se acha mistura com o pecado, e assim buscam com todas as suas forças a pureza do coração. É também possível que o pacificador seja mencionado em seguida segundo a regra declarada por Tiago, ou seja, que "a sabedoria que é lá do alto é primeiramente pura; depois pacífica..." (3:17). Contudo, como ª Plummer declarou, seguido por ª T. Robertson, a ordem na qual Tiago menciona estas duas provavelmente seja a mais lógica que cronológica. Portanto, visto que a razão para a seqüência em que as bem-aventuranças quinta a sétima são apresentadas não é clara, serão simplesmente consideradas como resultados paralelos à graça redentora de Deus.

          Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Quando a fé dos filhos de Deus se desenvolve suficientemente a ponto a ponto de se manifestar exteriormente, de modo que aqueles que não participam com ele da mesma experiência começam a notar, então o resultado é a perseguição. A perseguição a que Jesus faz referência não emana de causas puramente sociais, raciais, econômicas ou políticas, antes se acha radicada na religião. É uma perseguição distintamente motivada "pela justiça". Em virtude de os homens referidos desejarem estar em harmonia com Deus e viver em sintonia com a santa vontade de Deus é que perseveram na perseguição e se mantêm firmes sem se importarem com o que venha a lhes acontecer. Não necessidade de se mudar a definição do termo "justiça" aqui, pois é a mesma utilizada anteriormente no v.6. Os ímpios não podem tolerar os que aos olhos de Deus são considerados "justos". O seu próprio caráter é um constante protesto contra o caráter dos seus opositores. É por esta razão que o "mundo" odeia os filhos de Deus.

          Bem-aventurados são vocês quando alguém, por minha causa, os insultar e os perseguir e disser falsamente toda espécie de males contra vocês. Regozijem-se, sim, enchem-se de alegria incontida, porque a sua recompensa é grande nos céus, porque da mesma forma eles perseguiram os profetas que viveram antes do tempo de vocês. Note-se que a mudança da terceira para a segunda pessoa, que começa aqui em persegue permeando a maior parte do sermão. Aos que sofrem abusos em virtude de sua fé permanente em Jesus não só são denominados bem-aventurados, mas também se enchem de alegria irrefreável (exuberante).

          O imperativo que acrescenta: "regozijem-se" foi bem traduzido pela A.V. "estejam excessivamente alegres".Esse tipo de exultação com que, segundo o discurso de Pedro no Pentecostes, Davi reagiu ante o fato de que o Senhor estava continuamente à direita (at 2:26); com que o carcereiro convertido e toda a sua casa louvaram a Deus (At 16:34); com que Abraão recebeu a notícia de que iria ver o dia de Cristo (Jô 8:56); com que Pedro, contemplando a graça e a glória de Jesus Cristo agora invisível, descrevia a seus leitores, que compartilharam com ele desta contemplação, como aqueles que "se alegram com uma alegria inefável e gloriosa" (1Pe 1:8); e com a grande multidão celestialmente triunfante responderá um dia à vinda do Esposo para levar consigo a sua esposa: "Alegremo-nos, exultemos, e demonstre-lhe a glória, porque são chegadas as Bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou" (Ap 19:7).

 

2.3.2 - Interpretando a Lei para o Reino

          Vocês são o sal da Terra. Ainda que o sal tenha muitas características - brancura, sabor, aroma, poder preservativo, etc. -, talvez seja especialmente esta última qualidade - o poder do sal como anti-séptico, substância que serve como preventivo para retardar a deterioração - sobre o que se põe ênfase aqui, ainda que a função subsidiária de comunicar sabor não deva ser excluída.

          O sal, pois, tem especialmente uma função negativa. Ele combate a deterioração. De forma semelhante, os cristãos, mostrando ser cristãos verdadeiros, estão constantemente combatendo a corrupção moral e espiritual. Quão amiúde não acontece que um crente se coloca de repente entre indivíduos profanos, e o chiste indecoroso é refreado, com o qual alguém estava prestes a divertir seus companheiros, ficando sem efeito o plano perverso? É certamente notório que o mundo é ímpio. Todavia, só Deus sabe quão mais corrupto seria ele sem o exemplo, a vida e as orações dos santos que refreiam a sua corrupção.

          Vocês são a luz do mundo. A luz, nas Escrituras, indica o verdadeiro conhecimento de Deus; a bondade, a justiça e a veracidade; deleite e alegria, verdadeira felicidade. Ela simboliza o que há melhor no campo da sabedoria, do amor e do riso, em contraste com as trevas, isto é, o que há de pior no campo da ignorância, da depravação e do desespero.

          Esta afirmação provavelmente signifique que os cidadãos do reino não só foram abençoados com estas dádivas, mas são também o meio usado por Deus para transmitir as mesmas aos homens que os cercam. Os possuidores de luz se transformam em transmissores de luz.Os crentes coletivamente são "a luz". Individualmente são "luzes". Entretanto, os cristãos jamais são luzes em si e por si mesmos. Eles são luz "no Senhor". É Cristo que é a luz do mundo, verdadeira e original. Os crentes são a luz do mundo num sentido secundário ou derivado.Jesus é a luz que ilumina; os crentes são a luz refletida. Sem Cristo eles não podem brilhar.

          Jesus, agora mesmo, esteve admoestando seus ouvintes a deixarem sua luz resplandecer por meio da prática de boas obras para a glória do Pai Celestial. Os escribas e fariseus gozavam da reputação de serem os guardiões da lei. Todavia, Jesus estava para denunciá-los como hipócritas. Os oponentes de Cristo já tinham começado a considerá-lo um revolucionário destrutivo, um iconoclasta que queria romper todos os laços com o passado.

          Jesus, pois, ao começar a expor "a justiça do reino", logo em seguida rejeita a acusação de seus inimigos de que é um proclamador de novidades, e demonstra que seu ministério não estava em conflito com o Antigo Testamento, senão que estava em harmonia com ele; de fato, sem ele o Antigo Testamento era incompleto, sem cumprimento.

          Enquanto Jesus falava, algumas partes do Antigo Testamento já tinham se cumprido; por exemplo, a encarnação. Outras partes estavam se cumprindo. Ainda outras iriam cumprir-se logo, ou seja, a crucificação e a ressurreição; ou iriam cumprir-se mais tarde, na ascensão, no Pentecostes e após o Pentecostes, e, finalmente, na segunda vinda de Cristo em glória.

          "A lei", como um livro escrito, não mais se fará necessária no novo céu e na nova terra. De fato, a Bíblia escrita - Antigo e Novo Testamentos - se tornará supérflua. Entretanto, enquanto este tempo não chega, nada faltará até que tudo se cumpra. O programa de Deus com referência a Cristo, à igreja, ao homem em geral e ao universo será plenamente executado.

 

2.3.3 - A Piedade do Reino: Caridade, Oração, Jejum

          Uma vez enunciado o princípio geral, agora são retomadas uma a uma as três expressões de "justiça" que aqui são consideradas: a consideração caritativa, a oração e o jejum.

          Dar aos pobres é requerido pelas leis de Deus, pelas exortações dos profetas e pelos ensinos de Jesus. Também está em consonância com a expressão de gratidão pelos benefícios recebidos. Portanto, não nos surpreende que Cristo tome como questão axiomática a contribuição caritativa.

          As esmolas de forma alguma eram uma prática restrita dos discípulos de Jesus. Mesmo os Judeus que se recusavam a aceitar Jesus como seu Senhor e Salvador se orgulhavam disso. De fato, nos dias de Cristo, o "alívio" para os desafortunados era provido pela comunidade "religiosa", sendo que cada pessoa contribuía conforme a sua capacidade. Essa soma era suplementada por donativos voluntários. Não é possível assegurar aqui que tais esmolas fossem literalmente anunciadas com toques de trombetas. Parece improvável que nas sinagogas isso fosse permitido. Além disso, uma vez que em seus ditos e discursos Jesus repetidas vezes faz uso da linguagem simbólica, é provável que ele faça isso também no presente caso, e que esteja simplesmente se referindo ao fato de que os fariseus faziam tudo quanto estava ao seu alcance para proclamar ou exibir seus donativos. É esta prática que o Senhor condena. Eram hipócritas porque fingiam dar, quando na verdade, tinham a intenção de receber, ou seja, as honrarias dos homens.

          Por outro lado, as Escrituras em parte alguma condenam a oração pública, nem a oração individual oferecida em local público. Tampouco peca m o fariseu e o publicano por terem orado no templo. O que Senhor conde aqui é a oração ostentosa, ou seja, praticar as devoções particulares no lugar mais público, com a intenção de ser visto e honrado pelo povo. Contudo, era exatamente isto que os hipócritas estavam habituados a fazer.

          A condenação negativa da prática errônea é seguida pela exortação positiva de seguir a prática correta. Você, porém, quando orar, entra no seu quarto mais privativo, e uma vez fechada a porta, ore a teu Pai que está em secreto. A idéia não é que deve um cômodo separado para a oração. O sentido é o seguinte: se há um cômodo privativo, então use este para sua oração particular; se não, escolhe um canto bem discreto. Não procure ser notado. Entretanto, a ênfase principal nem mesmo é o lugar de oração, e, sim, a atitude de mente e de coração. O pensamento subjacente real não é o secreto, e, sim, a sinceridade. A razão de mencionar o lugar secreto é que o adorador sincero e humilde, alguém que não está interessado em mostrar-se publicamente com o fim de realçar o seu prestígio, encontrará um recanto isolado como o mais apropriado para as suas devoções. Ali é onde poder deixar fora o mundo e estar sozinho com Deus.

          Oração e jejum são freqüentemente combinados entre si. E quando vocês jejuarem, não sejam como os hipócritas, com aparência de mau humor, porque eles fazem que seus rostos pareçam disformes para que as (outras) pessoas possam ver que estão jejuando. O jejum, como aqui é entendido, refere-se não a uma condição imposta a uma pessoa, mas à abstinência voluntária de alimentos como exercício religioso. Ele servia a diversos propósitos, quer isoladamente, quer em qualquer combinação. Desta forma, ele podia ser uma expressão de humilhação, ou seja, tristeza pelo pecado e em conexão com a confissão do pecado, ou de lamentação pelo qual, quer já tenha sido experimentado - derrota numa batalha, luto, a chegada de notícias dolorosas, uma praga - quer seja como ameaça.

          Às vezes ordenava-se e/ou observava-se um jejum com o fim de se promover a concentração sobre um ato ou evento religioso importante, tal como o envio de missionários, ou na designação de presbíteros.

          A lei de Deus sugere somente um jejum em todo o ano, i. é., no dia da expiação. Contudo, com o passar do tempo, os jejuns começaram a multiplicar-se (nem sempre jejuns de forma total); de modo que, lemos de sua ocorrência em outras ocasiões também: do nascer ao pôr-do-sol; durante sete dias; três semanas; quarenta dias, nos meses quinto e sétimo; e ainda nos meses quarto, quinto e sétimo. O clímax foi a observância de um jejum "duas vezes por semana", o que se tornou o orgulho dos fariseus.

          Como uma expressão de lamentação em circunstâncias dolorosas, Jesus não encorajava os discípulos a praticarem o jejum. Ao contrário, ele os queria alegres em virtude de sua própria presença entre eles. Como já foi indicado, Jesus mesmo observou um jejum de longa duração, provavelmente com o propósito de concentrar-se na obra que o Pai lhe dera para fazer, e que ele, o próprio Jesus, assumira voluntariamente.

          Entretanto, aqui em Mateus o que se tem em mente é o jejum como uma expressão de humilhação, quer fingida quer genuína. Os hipócritas, ou seja, os escribas e os fariseus, assumiam um aspecto lúgrube, com rostos desfigurados, talvez por cobri-los com cinza, a fim de que as pessoas que os rodeavam pudessem perceber que pareciam estar muitíssimo acabrunhados por seus pecados; por isso, quão piedosos pareciam! Mas estavam fazendo teatro.

          Jesus não diz que seus seguidores devem jejuar, tampouco os proíbe de o fazem, caso desejem. Em certas circunstâncias, Jesus parece considerar o jejum como algo inteiramente apropriado. Ele mesmo não jejuava, ainda que por razões inteiramente diversas. A lição que Jesus ensina é que quando seus seguidores entendem que devem jejuar, então que o façam, contanto que unjam suas cabeças e lavem seus rostos, praticando esta observância religiosa da forma mais discreta possível. Essa admoestação é paralela àquela com relação à contribuição caritativa e à oração. Todas estas práticas devem ser feitas "em segredo", ou seja, longe dos olhares humanos. Devem ser atos sinceros de devoção a Deus, tão-somente a ele.

 

2.3.4 - Um Coração para o Reino

          Não ajuntem para vocês mesmos tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem consomem, e onde os ladrões escavam e roubam. Porém, ajuntem para vocês mesmos tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não escavam nem roubam. Os tesouros no céu são aquelas bênçãos que nos foram reservadas no céu, que são celestiais em seu caráter, mas das quais já desfrutamos de um antegozo mesmo agora.

          Há um grau de diferença com o qual se enfatizam as bênçãos espirituais (em contraste com as materiais) no Novo Testamento em comparação com o Antigo. Com a vinda de Cristo é como se o céu tocasse a terra.

          Entretanto, podem-se suscitar as seguintes perguntas: "Então, se é errôneo ajuntar tesouros sobre a terra, significa que é totalmente e sempre errôneo fazer provisão para as necessidades físicas futuras?". "Todo comércio, negócio e indústria que se tem com o propósito, pelo menos em parte, de fazer lucro é condenável?"."Todos os ricos devem ser considerados réprobos?". Às três perguntas a resposta é: "Não!" Deus não condenou José por aconselhar ao Faraó a armazenar grãos para o uso futuro. Nem tampouco Salomão e Agur estavam errados em citar a formiga como exemplo de bom-senso revelado em prover durante o verão para as necessidades do inverno. Negócios e bancos são estimulados, por inferência, nas parábolas de Cristo. O rico Zaqueu foi considerado digno de ser chamado "um filho de Abrão"; e o rico José de Arimatéia foi seguidor do Senhor. Naturalmente, se verdadeiro tesouro de uma pessoa, seu derradeiro propósito em todos os seus esforços, é algo que pertence a esta terra - a aquisição de dinheiro, fama, popularidade, prestígio, poder - então o seu coração, o próprio centro de sua vida, será completamente absolvido por esse objetivo mundano. Todas estas atividades, mesmo aquelas que são de caráter religioso, são subservientes a esse único propósito. Por outro lado, se alguém movido de sincera e humilde gratidão a Deus, fez do reino de Deus o seu tesouro, i.é., o reconhecimento deleitoso da soberania de Deus em sua própria vida e em cada esfera da mesma, então ali também onde estará o seu coração. Neste caso, o dinheiro será uma ajuda, não um entrave. Foi algo dessa natureza que Jesus estava pensando quando disse: Porque onde estiver o seu tesouro, ali também estará o seu coração. O "coração" não pode estar em ambos os lugares ao mesmo tempo. É uma proposição em que um exclui o outro.

 

2.3.5 - Os Padrões de Julgamento do Reino

          Aqui observamos a essência da "justiça" com respeito ao relacionamento do homem com o homem. Jesus começa dizendo: Não critiquem os outros... O que precisamente o Senhor quis dizer ao afirmar: "Não julgues?" Quis ele dizer que qualquer forma de julgamento é totalmente, e sem qualquer qualificação, proibida, de tal modo que não se nos permite formar opinião, nem expressa-la, com referência a nosso próximo, nem com referência a ele, jamais devemos emitir opinião diferente ou desfavorável? À luz do que Jesus mesmo diz nesse mesmo parágrafo (v.6), do qual se deduz que devemos considerar certos indivíduos como sendo cães e porcos, e à de Jô 7:24, e outras tantas passagens que poderiam acrescentar-se, é evidente que não se trata de uma condenação tão completa contra a formação de uma opinião a respeito de uma pessoa, e de expressá-la abertamente.

          O pecado aqui condenado era muito comum, o que evidencia, por exemplo, o fato de que Davi condenou à morte um homem rico que, conforme fizeram o rei acreditar, roubara e matara a cordeirinha de um homem pobre; e ao condená-lo, Davi não compreendeu que assim estava condenando a si próprio.

          Essa inclinação para descobrir e condenar severamente as faltas, reais ou imaginárias, dos outros, enquanto se faz vista grossa em relação às próprias faltas, que amiúde são violações ainda mais graves da lei de Deus, era comum entre os judeus, especialmente entre os fariseus, e é comum sempre e em todo lugar. De acordo com as palavras de Jesus aqui: para que vocês mesmos não sejam criticados, a pessoa que se justifica aos seus próprios olhos, que por costume descobre faltas no outros, deve lembrar que ela mesma pode esperar ser também condenada, e isso não só por parte dos homens, e especialmente, por parte de Deus.

          Não dêem aos cães o que é santo, e nem lancem suas pérolas diante dos porcos...Cães ou porcos não devem ser tratados da mesma forma. Os crentes devem discriminar com muita prudência. Para que entenda este dito, é mister, antes de tudo, descobrir o que significa "cães" e "porcos". Entre os judeus, os cães das ruas eram considerados como algo de pouquíssima valia. A referência, aqui, não é cãezinhos de estimação, e, sim, a cães vadios, grandes, selvagens e feios. Podia-se vê-los em quase toda parte, perambulando pelos lixos à procura de restos lançados nas ruas. Eles ameaçam, uivam e rosnam, são gananciosos e atrevidos. Em resumo, eles são desprezíveis. Ser devorado por cães era sinal de que sobre uma pessoa pairava uma especial maldição de Deus.

          Com relação aos porcos e passagens paralelas, o refúgio escolhido pelos demônios, aqui são considerados como sendo igualmente desprezíveis e imundos. O Antigo Testamento menciona os suínos entre os animais imundos. Denominava-se "abominação" o comer carne de suíno. Para o filho pródigo, ser mandado para os campos a alimentar porcos deve ter aumentado a sua desgraça.

          Combinando tudo isso, estamos agora em condição de concluir que aqui, Jesus está afirmando que tudo quanto está em especial relação com Deus, e conseqüentemente é muito precioso, deve ser tratado com reverência, e não ser confiado àqueles que, em razão de sua natureza completamente ímpia, viciosa e desprezível, podem ser comparados a cães e porcos. Significa, por exemplo, que os discípulos de Cristo não devem continuar sempre levando a mensagem do Evangelho aos que dela escarnecem. Certamente que deve-se exercer a paciência, porém deve haver limite. Chega-se o momento quando a resistência constante ao convite da graça deve ser punida com a retirada dos mensageiros das boas novas.

          Portanto, tudo quanto vocês querem que as (outras) pessoas façam por você, façam igualmente por elas... Para que o crente possa estar preparado para qualquer emergência, ou para saber em qualquer momento específico, como tratar o próximo, o Senhor, aqui, estabelece uma regra que, por consistir em medir o dever de alguém pelo seu amor-próprio, é semelhante a um canivete, ou uma régua de carpinteiro, sempre prontos a ser usados, mesmo numa repentina emergência quando não há para pedir conselho a um amigo ou consultar um livro. Como esta regra Áurea se compara com outras regras semelhantes fora do Cristianismo? É verdade como alguns parecem crer, que Mateus fornece um alicerce comum sobre o qual o descrente e o crente juntos possam edificar seu palácio de paz, boa vontade e fraternidade?

          Há aqueles que alegam que a diferença existente entre a regra de Cristo e a dos outros, por exemplo, aquela anunciada por Confúncio, consiste nisso: a última é uma regra meramente negativa, enquanto a regra de Cristo é positiva. Jesus disse: "Tudo quanto vocês querem que as (outras) pessoas (literalmente: homem) façam por vocês, façam igualmente por elas", porém Confúncio disse: "Não faça nada ao seu próximo que em seguida você não queira que seu próximo faça a você".

          Semelhantemente Jesus ensina que a lei com seus mandamentos negativos ("Não matará, não cometerá adultério", etc.) é satisfeita na obediência da regra positiva: "Você amará ao seu próximo como a si mesmo" Ora, é verdade que nos ensinos de Jesus a ênfase sobre o amor ao próximo, não simplesmente uma atitude de bondade, um amor que, além do mais, é praticado em favor até do inimigo, recebe uma ênfase mais forte que aquele que é praticado fora do Cristianismo. Porém, não é justo afirmar que uma regra expressa negativamente é, em razão deste mesmo fato, necessariamente inferior àquela que é expressa positivamente.

          Acautelem-se dos falsos profetas, que vêm a você com vestimentas de ovelhas, porém interiormente são lobos devoradores. Entrar pela porta estreita e caminhar pelo caminho ao qual ela dá acesso significa que agora se pode jogar ao vento toda preocupação? É claro que não. Certamente que Deus preserva seus filhos, porem faz isso por meio da perseverança deles, a qual lhes é concedida por Deus. Os inimigos são muitos e astutos. São denominados de "falsos profetas".

          Um verdadeiro profeta é porta-voz de Deus. Por enquanto, podemos conceber um falso profeta como sendo alguém que a si mesmo designou e como uma pessoa que, embora pretenda proclamar a verdade de Deus, realmente proclama sua própria mentira.

          A caracterização do falso profeta como o homem destituído de autorização divina e que traz a sua própria mensagem, geralmente dizendo ao povo o que este gosta de ouvir, está radicado no Antigo Testamento (Is 30:10; Jr 6:13; 8:10; 23:21). Este tipo de profeta que, quando o fracasso é realmente iminente, dirá: "Sobe... e triunfarás". Gritará: "Paz, paz!" Quando não há paz. Suas palavras são "mais brandas que o azeite".

          A advertência de Jesus contra os falsos profetas é tão relevante hoje como o foi ao ser pronunciada pela primeira vez. Hoje, entre os lemas usados pelos representantes modernos dessa seita do embuste estão os seguintes: "Céu e inferno são mitos"; "O Deus do amor não permitirá que ninguém seja punido para sempre"; "Satanás é um mito"; "O pecado é uma enfermidade. Não tem nada que ver com a culpa. Livre-se do seu complexo de culpa"; "O indivíduo não é responsável pelos seus assim chamados pecados pessoais".A culpa, se existe alguma, recai sobre os pais ou sobre a sociedade "".

          Pelos seus frutos vocês os reconhecerão... Tão certo quanto não se colhe uvas (fruto nobre) dos espinheiros (ervas daninhas), nem figos (muito preciosos) dos abrolhos (uma praga), assim também aquilo que glorifica a Deus não procede de um falso profeta. O bom fruto revela que a árvore da qual saiu é sadia. O fruto imprestável revela que a árvore da qual saiu é enferma. Certamente que o profeta é capaz de enganar o povo por algum tempo e esconder o seu rosto autêntico atrás de uma máscara de atos e palavras de piedade. Porém isto não pode durar. "Nada é mais difícil do que falsificar a virtude" (Calvino). O fruto revelará o verdadeiro caráter da árvore.

          Mas, o que este fruto significa? Tem referência ao que a pessoa ensina ou ao seu comportamento? À luz passagem citada, é evidente que se refere ao primeiro. É provável que Calvino estivesse com razão ao dizer que entre os frutos "a qualidade do ensino tem o primeiro lugar". Ao comparar diligentemente com as Escrituras os ensinos daquele que se apresenta como profeta, geralmente não é difícil determinar se ele é servo de Deus ou do diabo. Não obstante, o termo "fruto" geralmente inclui bem mais do que ensinos. Ele indica igualmente a vida ou a conduta da pessoa.

 

CAPÍTULO  III  -  AS OBRAS DO REINO

 

3.1 - CURA DE ENFERMOS E O CHAMADO DOS DISCÍPULOS

 

          Mateus começa assim esta seção: Ao descer ele do monte, grandes multidões o acompanharam. O estado de perplexidade registrado nos versículos imediatamente precedentes justifica o fato de o povo não abandonado Jesus imediatamente, quando o sermão do monte foi encerrado. Contudo, exatamente quando e onde ocorreu o migre a ser estudado, não é declarado nos Evangelhos. É suficiente que saibamos que esse ato de solidariedade e poder "não foi realizado em algum canto". Havia sempre muitas testemunhas.

          A enfermidade que hoje denominamos de lepra geralmente começa com dor em certas áreas do corpo. A seguir vem dormência e a pele, nessas partes, perde sua cor original. Fica saliente, lustrosa e escamosa. À medida que a enfermidade se agrava, as partes salientes se transformam em chagas feias e úlceras provocadas pela insuficiência do curso de sangue. A pele, especialmente em torno dos olhos e orelhas, começa a formar protuberâncias com profundos sulcos entre as inchações, de sorte que o rosto da pessoa atingida assume o aspecto do rosto de um leão. Os dedos caem ou são absolvidos; os dedos dos pés são igualmente afetados.

          Um leproso vai diretamente a Jesus, dobra os joelhos diante dele e, ainda mais humildemente, cai sobre seu rosto, derramando toda a sua alma nesse ato de reverência e adoração. Enquanto assim procede, ele diz: "Senhor, se quiser, pode purificar-me".

          Ele está convicto do poder de Cristo para curar até mesmo um leproso, na verdade um homem coberto de lepra, isto é, atingido por lepra num estágio muito avançado! No tocante à vontade do Senhor para efetuar a cura, a essa vontade o leproso se submete totalmente. Além do mais, Jesus sabe o que é melhor. Naturalmente, ele fervorosamente espera que aquele diante de quem está prostrado o livrará realmente de tão terrível doença.

          Então ele (Jesus) estendeu sua mão, tocou-o, e disse: "Quero; fique limpo"; e imediatamente sua lepra foi purificada. Reiteradamente os Evangelhos falam acerca do toque curador da mão de Cristo. Às vezes, o próprio enfermo tocava em Jesus. De qualquer forma os enfermos eram curados. Segundo parece, em conexão com este contato físico curador, o poder que emanava do Salvador era transmitido à pessoa que dele necessitava. Isso, contudo, não era magia! O poder curador não era oriundo de seus dedos ou de roupa. Ele fluía diretamente do Jesus Divino e humano, de sua onipotente vontade e de seu coração infinitamente compassivo. Havia poder curador nesse toque porque ele era, e é, "tocado de sensibilidade à vista de nossas enfermidades". Não deve escapar ao leitor que Jesus foi "movido de compaixão" quando estendeu sua mão e tocou o leproso. A carência e a fé do leproso encontraram imediata resposta na solicitude do Salvador em ajudar. E essa era uma prontidão de tal natureza que fazia com que o Seu poder e amor se entrelaçassem.

          Às vezes se diz que entre as palavras do leproso e as de Jesus existe perfeita sintonia. Isto é correto no sentido em que ambas as declarações não se chocam, mas se acham em plena harmonia, revelando até mesmo uma identidade parcial na fraseologia. Entretanto, alguém também poderia dizer que as palavras do Senhor superam a mera "correspondência". Na verdade, o "pode purificar-me" do leproso tem a resposta de Cristo, "realmente posso!", implícita em seu ato de curar. Mas o "se quiser" do leproso é substituído pelo rápido e esplendido, "quero!", do Senhor. Aqui o querer se une ao poder, e a supressão do "se", unida à adição do "fique limpo" transforma a condição de enfermidade repugnante na condição de saúde sólida.

          O centurião era um oficial a serviço de Herodes Antipas. Este oficial ouvira acerca do que Jesus havia feito em favor de outros. E por isso agora ele suplica que a mesma misericórdia seja demonstrada em favor de seu próprio escravo, a quem afetuosamente chama "jovem criado" ou "meu rapaz". A condição deste era deveras deplorável. Estando acamado com paralisia, ele sofria horrivelmente, gravemente torturado. Seria este um caso de paralisia progressiva com espasmos musculares, que afetasse perigosamente o sistema respiratório, levando-0 às próprias portas da morte, como Lucas sugere?

          O coração do centurião se pôs a rogar, porquanto o rapaz lhe era querido. As palavras do oficial equivalem mais a uma declaração do que a uma solicitação. Era uma declaração que descrevia a condição do criado, e confiadamente deixava a disposição nas mãos de Jesus. Não obstante, implícito estava uma solicitação de socorro: "Aproximou-se dele rogando que o ajudasse".

          De acordo co Mateus, foi o próprio centurião quem informou Jesus sobre sua necessidade. Lucas, em contrapartida, diz que o oficial enviou alguns anciãos dentre os judeus com esta solicitação. Isso não resolve nenhuma contradição, pois foi por meio desses anciãos que o rogo do centurião chegou a Jesus. Quando Mateus notifica que Pilatos açoitou a Jesus, não significa que o governador houvesse aplicado os açoites com sua própria mão. Mesmo hoje às vezes fazemos uso de semelhante expressão abreviada.

          A resposta do Senhor foi tudo o que alguém poderia ter desejado, e muito acima do que o centurião teria ousado esperar. E ele disse: "Eu irei e o curarei".

          Como Jesus vê, essa fé do centurião permite um vislumbre de eventos que haveria de ocorrer no mundo gentílico, por contraste com o futuro de Israel. Como foi enfatizado anteriormente, o Evangelho de Mateus contém um amplo propósito missionário. A evangelização de todas as nações é um de seus objetivos extraordinários. A passagem ora em estudo se ajusta a este esquema. O fato de que muitos viriam do Oriente e do Ocidente, isto é, de todas as partes, desfrutando das bênçãos da salvação com os patriarcas - noutras palavras, que a igreja se estenderia entre os gentios, foi predito pelos profetas.

          As bênçãos da salvação das quais todos os salvos desfrutaram são aqui descritas sob o simbolismo de reclinar-se em divãs ao redor de uma mesa lotada de comida, desfrutando da doce comunhão uns com os outros e com o anfitrião, numa espaçosa sala de banquete, inundada de luz. Não surpreende que aqui, como amiúde se dá nas Escrituras, Abraão, Isaque e Jacó sejam mencionados juntos, pois foi a eles que as promessas foram feitas.

          Esse compartilhar dos gentios das bênçãos dos judeus começou a suceder ainda durante a antiga dispensação, tem-se dado numa escala muito maior ao longo de toda nova dispensação e se tornará evidente especialmente quando a incontável multidão reunida de todas as nações se colocar de pé diante do trono.

          Não só centurião, mas também Pedro estava agora morando em Cafarnaum. O milagre que se realizou em ocorreu num sábado, após o culto na sinagoga. Mateus escreveu assim: E ao entrar na casa de Pedro, Jesus viu a sogra deste acamada com febre. Pedro era um homem casado. Num período posterior, sua esposa o acompanhou em uma viagem evangelística. Durante o ministério terreno de Cristo, a mão da esposa de Pedro morava com a filha e o genro. Jesus soube que a sogra de Pedro estava acamada com febre. Ainda que Pedro fosse um discípulo, e possamos logicamente pressupor que todos os outros moradores deste lar eram também dentre os amigos do Senhor, a enfermidade tinha entrado ali. Sim, na providência de Deus os crentes também ficam doentes. Até morrem! A passagem: "Por suas chagas somos curados" não significa que ficaram isentos das enfermidades da carne. Às vezes sucede que Deus se agrada em curá-los, bênção esta que freqüentemente vem em resposta à oração. 

          E vista dos inúmeros sacrifícios e atos de renúncia no serviço cristão, como Pedro mesmo afirma (Mt 19:27), deve ter sido um real conforto para a esposa de Pedro o fato de sua mão viver com ela. Mas agora a mão está doente, na verdade muito doente. Jesus a viu assim acamada, pois seu socorro fora conclamado. Um mero toque de mão era tudo de que se necessitava; porém, que poder e que compaixão haviam naquele toque!

          E foi assim através de uma séria de milagres que o Senhor revela sua onipotência. Com um mero toque de mão ele cura imediata e completamente. De fato tal toque nem seria necessário. Seu poder de curar se estende não só ao corpo do homem, mas compreende também a alma. Não só liberta da enfermidade física, mas também expulsa demônios. De fato, não há limite para o seu poder restaurador. Até mesmo acalma a tempestade e ressuscita os mortos.

          Não revela o seu poder através destas obras maravilhosas, mas também revela seu amor infinito. Ele carrega as doenças dos homens, tomando sobre si suas enfermidades. Sua terna compaixão recebe sua mais plena expressão em 9:36. Sua solidariedade sobrepõe os limites de raça e nacionalidade. Ele é um amigo dos publicanos e pecadores.

          Os que querem segui-lo devem fazê-lo sem qualquer reserva, lição que os dois aspirantes (8:19-22). Ainda que no que concerne à natureza do homem, frágil e pecaminosa, o discipulado implique dolorosa renúncia, não obstante, para aqueles que estão experimentando a graça da renovação, está apenas em seu estágio inicial - pense nos discípulos de Cristo, "homens de pequena fé" -, estreita associação com o Senhor significa regozijo. Por que, pois, hão de observar os jejuns impostos pelos homens?

          Mateus traça um nítido contraste entre: o ódio para com o Senhor demonstrado em crescente medida pelos fariseus; o amor do Salvador. Este é motivo de compaixão quando, ao contemplar as multidões que se aproximam, compreende que seus líderes fariseus, que sempre realçam mais os menores, na verdade deixam como ovelhas sem pastor aqueles que estavam sob sua responsabilidade. Em vista disso, Jesus diz a seus discípulos: "A seara (é) abundante, mas os trabalhadores (são) poucos. Roguem, pois, ao Senhor da seara para impelir trabalhadores para sua seara".

 

3.2 - O Segundo Discurso: A Missão do Reino

          Mateus primeiramente apresenta o cenário do discurso de comissionamento. Na verdade, o material do pano de fundo começa em 9:35-38. Em 10:1, o evangelista faz menção da convocação dos discípulos e do poder que Jesus lhes delega. Então o rol dos Doze é apresentado nominalmente. Segue-se a comissão propriamente dita.

          Exatamente como no Sermão do Monte, assim também aqui nesta Comissão dos Doze não há divagações, mas um progresso de pensamento muito bem ordenado. Os aspectos específicos da comissão são apresentados no que se pode considerar a primeira parte do discurso. Os "discípulos", que agora podem com propriedade ser chamados "apóstolos", são informados aonde devem ir, o que têm que proclamar, o que devem fazer, em condições devem começar sua viagem missionária e com devem se hospedar. No que se pode considerar como a segunda porção do discurso, onde a comissão, ainda que continue, começa a mesclar-se com o discurso profético, Jesus descreve o contraste marcante que haverá nas respostas à comissão dos apóstolos: alguns a aceitarão; muitos a rejeitarão. Para os missionários, essa rejeição significa amarga perseguição. Jesus lhes mostra como devem responder a este tratamento, ou seja, com coragem e com confiança no Senhor que os recompensará por sua lealdade.

          Como alguns vêem, a advertência de Cristo, dizendo que os discípulos não seriam bem-vindos em todo lugar, mas que seriam rejeitados por muitos, não é uma introdução adequada às predições acerca da perseguição reservada para a igreja. E assim, a conclusão a que se chega é que a matéria em 10:5-42 não é realmente uma unidade, e, sim, uma combinação. Eis o argumento: Jesus, naquele tempo, não transmitiu todo o discurso. Ao contrário, quando, algum tempo depois da ressurreição de Cristo, a perseguição começou a erguer sua cabeça, o compositor do Evangelho combinou um discurso mais antigo de Jesus com alguns de seus últimos ditos, mormente aqueles encontrados em seu discurso escatológico. De acordo com este ponto de vista, o resultado da combinação é o que se acha em Mateus. Com o fim de apoiar esta teoria da combinação, se realça demais que a horrenda predição do martírio não se cumpriu durante o primeiro percurso missionário dos apóstolos; antes, ocorreu exatamente o oposto. Visto, porém, Que os primeiros leitores do Evangelho sabiam muito bem que as aflições preditas não ocorrerão antes da ressurreição de Cristo, e, sim, posteriormente, não teriam dificuldade de entender a natureza composta do que aqui se apresenta como se fosse uma comissão.

          Tudo quanto agora é oculto, um dia será revelado: quem são esses inimigos; o que fizeram, a quem perseguiram, como serão castigados, etc. Também será revelado quem são os justos, o que fizeram, a quem honraram, quão preciosos são aos olhos de Deus, como serão recompensados, etc. O fato de que naquele dia os seguidores de Cristo resplandecerão em toda a sua glória é uma razão plausível para que agora não devem sequer começar a temer. Portanto, o seguimento é: o que lhes digo às escuras, vocês devem dizê-lo em plena luz; o que é cochichado aos seus ouvidos, proclamem-no nos telhados. Portanto, que preguem pública, franca e corajosamente. Certas questões básicas e importantes já eram conhecidas dos discípulos. Não haveria risco de que nessa primeira viagem falassem de coisas que nem mesmo haviam sido sussurradas em seus ouvidos. Ainda que saibamos à luz da revelação posterior, que a morte de Cristo na cruz estivesse deveras implícita, tal coisa não foi entendida na época quando estas palavras foram enunciadas.

 

CAPÍTULO  IV  -  A NATUREZA DO REINO

 

4.1 - A IDENTIDADE DE JOÃO E DE JESUS

 

4.1.1 - Respostas às Obras de Jesus e de João

          Após a descoberta dos Rolos do Mar Morto, muitos têm tentado ligar João Batista ao movimento de Qumran. Entre as semelhanças que têm sido apontadas em alguns dos muitos livros e artigos estão estas: ambos (João e a comunidade de Qumran) estavam associados com o deserto na vizinhança geral do Mar Morto. Ambos eram austeros. Ambos enfatizavam a necessidade de arrependimento e batismo. Ambos tiveram sua origem no sacerdócio (o pai de João Batista era sacerdote). Ambos reagiram vigorosamente contra o "sistema estabelecido", isto é, autoridade reconhecida dos fariseus e saduceus, etc.

          Há certas semelhanças exteriores, e deve-se admitir que João poderia ter-se familiarizado com a comunidade de Qumran. Não obstante, em relação a certos itens mais ou menos essenciais, ele era diferente. Ele não tentava manter suas doutrinas em segredo, mas a comunicava às multidões bem-vindas. Não só os homens, mas também as mulheres, iam ouvi-lo e se convertiam. Seus discípulos não eram um grupo bem organizado, mantido sob controle e por um rígido código de disciplina. Acima de tudo, João proclamava um Messias que havia chegado. Disse ele: "Eu batizo com água com vistas à conversão, mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu..."

          Ainda, porém, que João falasse com profunda convicção sobre Jesus, chegou um momento em que ele começou a nutrir dúvidas.Portanto João envia a Jesus alguns de seus discípulos com a pergunta: "Es tu aquele que vem, ou devemos esperar algum outro?" Prováveis razões para a sua pergunta: Ele se achava numa prisão sombria e lúgubre e não fora resgatado; As atividades de Jesus, relatadas a João Batista, pareciam não se harmonizar com a maneira com que João descrevera o Messias.

          João havia descrito o juízo iminente (o machado já se acha posto na raiz das árvores), mas palavras de graça emanavam dos lábios de Jesus, e obras de misericórdia eram por ele realizadas. Contudo, o que João havia dito era correto, baseado na profecia. Não obstante, ele não fora capaz de distinguir entre a primeira vinda e a segunda. Portanto esperava que se cumprissem na primeira vinda as predições relativas à segunda vinda. Jesus o trata com muita benevolência. Dirigiu sua atenção para aquele aspecto da profecia do Antigo Testamento - promessas de cura, livramento e restauração - que pertencia à primeira vinda, e o tranqüilizou mostrando que justamente agora essas boas novas estão sendo gloriosamente cumpridas.Ao mesmo tempo, defendeu João ante o público, falando com aprovação distinta da obra que ele realizara como arauto. João não era uma cana agitada pelo vento, nem um bajulador. Houvera sido um bajulador e estaria agora mesmo no palácio do rei, em vez de numa masmorra do rei. Portanto, o povo devia levar a sério a pregação de João acerca do arrependimento. Não deviam proceder como crianças a brincar na praça do mercado, condenando prontamente o que acabavam de aplaudir, quer em João quer no Filho do Homem.

          Segundo Mateus, a censura fustigante é substituída por terno convite. O regresso dos missionários com um relatório cheio de entusiasmo é para Jesus ocasião de externar uma emocionante ação de graça. Ele conclui com o terno convite: "Venham a mim todos os que se acham cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso..."

 

4.1.2 - Jesus, o Senhor do Sábado

          Ao longo da antiga dispensação, a semana começava com seis dias de TRABALHO. Estes eram seguidos de um dia de DESCANSO. Depois, pelo trabalho de seu sofrimento vicário, Cristo, o grande Sumo Sacerdote, alcançou para o povo de Deus "o descanso sabático". Pela fé nele, os crentes ainda agora (em princípio!) entram neste DESCANSO, que constantemente é seguido por seu TRABALHO de amor, ou seja, por suas obras de gratidão pela salvação já obtida para eles como um dom gratuito. A ordem TRABALHO-DESCANSO, portanto se inverte para DESCANSO-TRABALHO: muito apropriadamente, a semana agora começa com o dia de DESCANSO. Em suma, Jesus asseverou sua autoridade sobre o sábado, interpretando-o por meio de palavras e atos como sendo um dia de verdadeira liberdade, um dia de júbilo, um dia de prestar serviço de amor a cada um e a todos, e, nisso e por meio de tudo isso, cultuando a Deus acima de todas as coisas!

          Jesus, como Senhor do Sábado, não só o honrava assistindo regularmente aos cultos da sinagoga nesse dia, mas também às vezes tomando parte importante neles. Além disso, o honrava realizando atos de misericórdia e curando nesse dia. Também o santificou ao descansar no túmulo nesse dia, com isso santificando a sepultura para seus seguidores. Além do mais, ele o tratou à altura, cumprindo sua importância simbólica.

          O sábado foi feito para o homem, e não vice-versa. Essa afirmação de nosso Senhor, também em defesa de seus discípulos, se encontra em Marcos 2.27, onde imediatamente precede as palavras: "Portanto, o Filho do Homem é Senhor também do sábado", com paralelo em Mateus 12:8. O sábado foi instituído para ser uma bênção para o homem; para a conservação da saúde, para fazê-lo feliz para torná-lo santo. O homem não foi criado para ser escravo do sábado.

 

4.1.3 - O Começo da Oposição a Jesus

          A todos quantos vão a ele, isto é, a todos quantos o aceitam pela fé, Jesus prometeu descanso, inclusive isenção do fardo do legalismo imposto. Ele mostra como a aceitação dele e de sua doutrina livrará as pessoas do jugo das normas sabáticas engendradas pelo homem. Quando, em certo sábado, seus famintos discípulos, ao caminhar pelas lavouras, apanharam algumas espigas e comeram, depois de debulhá-las com suas mãos, os fariseus o culparam pela violação das normas sabáticas infringida por seus discípulos. Ele, porém, formulando uma refutação com cinco itens, demole sua crítica e se declara Senhor do Sábado. Ele ainda cura no sábado um homem com uma mão paralítica. Esse ato de restauração ocorre na sinagoga, e a despeito de não haver nenhum perigo de o paralítico perder a vida. Eis a norma de Cristo: "É certo fazer o bem no sábado". Se era certo resgatar uma ovelha que no sábado caísse numa cova, quanto mais se devia demonstrar benevolência a um homem necessitado de ajuda. Reação por parte dos fariseus: tomaram conselho contra ele, sobre como o destruiriam.

          Embora Jesus houvesse realizado um grande milagre, e, ao partir, fizesse muitos outros além desse, não era seu desejo se tornar conhecido primordialmente como Operador de milagres. Granjear fama terrena não era seu alvo. Ao contrário, como se observa, ele era o "Servo Escolhido" de Isaías 42:1-4, modesto, manso e por natureza retraído.

          É conduzida a Jesus outra pessoa em horrível necessidade. Esta pessoa dolorosamente atormentada era um endemoninhado, o qual nada podia ver nem falar. Foi operado nele um tríplice e assombroso milagre, de tal sorte que as pessoas perguntavam se Jesus não seria porventura o Filho de Davi, o Messias. Tal ato irritou os fariseus, que então disseram que Jesus expulsava os demônios pelo poder de Belzebu (Satanás), o príncipe dos demônios. Jesus mostra que acusação é absurda e inconsistente, que obscurece a verdade, que persistir nela é imperdoável e desmascara a perversidade daqueles que a formularam. Os caluniadores não passam de "raça de víboras", e no último dia terão que responder por sua impiedade.

          Os fariseus se ressentiram dessa severa censura. Aliando-se aos escribas, pediram a Jesus que lhes mostra-se um sinal, como se os milagres que já havia realizado realmente não bastassem. O Senhor lhes diz que o único sinal que podem esperar é do profeta Jonas, isto é, sua ressurreição dentre os mortos ao terceiro dia, sinal este por meio do qual triunfará completamente sobre eles. Ele prediz que no juízo final homens de Nínive os condenarão, pois que estes ninivitas se arrependeram pela pregação pouco iluminada de Jonas, enquanto eles, escribas e fariseus, estão rejeitando a Luz do mundo. Por uma razão um tanto semelhante, a rainha do sul, então, também condenará esta geração.

          Sob a liderança dos escribas e fariseus, os judeus vão indo de mal a pior, como um homem que, possesso de um espírito mau, é inicialmente libertado desse demônio, mas depois possuído de novo por ele e por mais outros sete espíritos ainda mais perversos que o primeiro.

          Neste ponto, há interferência de sua mãe e seus irmãos. A intenção deles parece ter sido afastá-lo por algum tempo do público. Quando informam a Jesus, que nesse momento se acha dentro de uma casa, de que sua mão e seus irmãos estão do lado de fora querendo vê-lo, ele estende sua mão para seus discípulos e diz: "Eis minha mãe e meus irmãos"."Com isso ele enfatiza o fato de que os laços espirituais são muito mais importantes do que o físico".

4.2 - O TERCEIRO DISCURSO: AS PARÁBOLAS DO REINO

 

          Ao todo, essa matéria abrange 38 versículos, ou seja, cerca de dois terços de todo o capítulo. Os vinte versículos restantes são dedicados a um par de linhas de introdução; vários versículos apresentando o propósito e uso das parábolas; uma descrição do escriba genuíno; e um breve parágrafo conclusivo mostrando a amarga e injusta oposição contra ele, que ali se desenvolvera. Essa foi uma das duas principais razões que o levaram a fazer uso de parábolas. Assim considerando, notamos que todo o capítulo forma uma só unidade.

          À luz de 13:1,2,36, é óbvio que Jesus pronunciou as quatro primeiras parábolas às multidões estando num barco, um pouco fora da praia, e que a seguir despediu as multidões, desceu na praia e entrou numa casa. Aqui ele explicou aos discípulos a parábola do semeador e a do joio (título completo: O Joio no Meio do Trigo) e acresceu outras três parábolas.

 

CAPÍTULO  V  -  A AUTORIDADE DO REINO

 

5.1 - O CARÁTER E A AUTORIDADE DE JESUS

 

5.1.1 - A Morte de João Batista

          Embora Jesus não tenha realizado muitos milagres em Nazaré, ele efetuou um grande número deles em muitos lugares, de tal maneira que as notícias penetraram até mesmo o palácio do rei Herodes Antipas, levando-o a exclamar: "Esse é João Batista; ele ressuscitou os mortos; eis por que esses poderes milagrosos operam nele".

          O rei ficou profundamente perturbado, pois ele havia assassinado João Batista. Isso ocorreu dessa maneira: Numa viagem a Roma para visitar um meio-irmão, Herodes Filipe, Herodes Antipas fugiu com Herodias, esposa de seu anfitrião. Quando João ficou sabendo a respeito do casamento incestuoso, ele passou a censurar reiteradamente o rei, afirmando-lhe: "Não lhe é lícito possuí-la". Herodias, compreendendo que seu estado matrimonial é inseguro, quer que seu novo esposo mate João. Entretanto, o rei tem medo do povo, tendo a maioria muita consideração por João Batista. Então o governante se compromete a prender João. Na festa do aniversário natalício de Herodes, Salomé, filha de Herodias, fascinou de tal modo o rei com sua dança que, com juramento, ele promete-lhe tudo o que ela pedisse. Instigada por sua mãe, ela pede a cabeça de João Batista. E assim João é decapitado na prisão. Seus discípulos vão, removem o corpo, sepultam-no e relatam toda a história a Jesus.

          A chocante notícia da cruel morte de João Batista requer reflexão e quieta meditação.

 

5.1.2 - Alimentando as Multidões e o Fermento dos Fariseus

          Os Doze haviam recentemente regressado de um giro missionário. Para dar-lhes uma chance de descanso de seus labores e de contar a seu Mestre tudo o que ocorrera, Jesus os leva consigo para Betsaida Julia, situada na costa nordeste do mar da Galiléia. Chegando ali, Jesus, olhando do alto da colina, vê uma grande multidão. Movido de compaixão, ele cura os enfermos e os instrui. Chegando a tardinha, os discípulos lhe disseram: "O lugar é deserto e já é tarde; despede as multidões, para que vão às aldeias e comprem comida para si". Jesus responde: "Não é necessário que se vão; dêem-lhes vocês de comer". Ao dizer isso, o Senhor realça a responsabilidade pessoal deles com respeito às multidões necessitadas de sustento tanto físico quanto espiritual. Então, usando cinco pães e dois peixes (comprados de um rapaz), Jesus, depois de dar graças, alimenta milagrosamente cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. Os discípulos recolhem o que sobrou dos pedaços de pão: doze cestos cheios.

          Jesus, havendo despedido as multidões e havendo ordenado aos discípulos que entrassem num barco e voltassem para a costa ocidental, permanece por algumas horas na região onde realizara o grande milagre. Aqui ele sobe a colina para orar sozinho, de modo que quando a noite cai, ele está ali a sós. Os discípulos, amedrontados pela tempestade sem Jesus; não reconhecem "alguém" que caminha sobre a água vindo em sua direção e a quem consideram como sendo um "fantasma". Os discípulos com Jesus a quem agora reconhecem porque ele se lhe fez reconhecer, dizendo: "Tenham coragem, sou eu; não tenham medo". A seguir vem o episódio de Pedro andando sobre a água, mas depois sentindo medo, e no momento oportuno é resgatado pelo Senhor. Quando Jesus e Pedro entram no barco, o vento cessa. Os que estão no barco adoram a Jesus, confessando ser ele o Filho de Deus.

          O poder e o amor do Salvador têm novamente proeminência, quando na fértil planície de Genesaré, sul de Cafarnaum, cura a todos os que foram conduzidos a ele.

          Visto que a fama de Jesus está se difundindo, havendo alcançado até mesmo o palácio do rei, e visto que a variedade de milagres está aumentando, a multiplicação dos pães para os cinco mil homens recebendo agora o acréscimo das inúmeras curas, não admira que os fariseus e escribas estejam se preocupando com a possibilidade de que poderão perder o apoio do povo. Então vêem de Jerusalém com um propósito sinistro. Prontamente encontraram uma saída. Aproximando-se de Jesus, exigem saber porque seus discípulos negligenciam o enxaguamento cerimonial das mãos antes das refeições. Não estão cogitando da lavagem física da sujeira das mãos, como se os discípulos estivessem negligenciando isso, mas do "enxaguamento ritual das mãos", estivessem fisicamente sujas ou não, "enxaguando-as" em qualquer caso, desde que tivessem tocado algo ou alguém considerado impuro. Estão se referindo a uma "tradição" humana.

          Em sua resposta, Jesus enfatiza que estes fariseus e escribas deveriam de abster-se ("Quem têm telhado de vidro não pedra no do vizinho"), visto que o que eles mesmos estão fazendo é realmente mau, pois estão transgredindo, não um regulamento feito pelo homem, mas um mandamento de Deus de honrar pai e mãe. "Vocês estão dizendo aos filhos como evadir-se da obrigação de prover sustento para seus pais. Vocês lhe estão "dizendo:"Se seus pais querem algo de vocês, apenas lhes digam: O que vocês querem que eu lhes dê é uma dádiva, uma oferta de Deus." O Senhor prossegue: "Vocês têm tornado a palavra de Deus nula e sem efeito por causa de sua tradição." Ele mostra a seus críticos que a descrição de Isaías faz dos hipócritas de seus próprios dias também se aplica a eles: "Este povo me honra com seus lábios, mas seu coração está longe de mim. Em vão, porém, me adoram, ensinando (como suas) doutrinas, preceitos de homens.".

          Jesus, pois, põe em realce diante deles que não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas é o que sai da boca que o contamina.

          Quando de um modo receoso os discípulos dizem a seu Mestre: "Sabes que os fariseus ficaram ofendidos quando ouviram o que disseste?", Ele respondeu: "Todo cultivo que meu Pai celestial não plantou será arrancado. Que vão. São líderes cegos, etc..." Finalmente, em resposta à solicitação de Pedro: "Explica-nos a parábola", Jesus derrama mais luzes sobre o fato de que não é o entra pela boca que contamina o homem, mas as coisas más que fluem de boca e que em última análise saem do coração do homem, isso constitui o que contamina o homem.

          Por longo tempo - provavelmente de dezembro do ano 27 a abril do ano 29 d.C. - Jesus desenvolveu sua obra em sua maior parte na Galiléia e seus arredores. Agora, finalmente, o Grande Ministério da Galiléia se encerrou. Jesus se retira para o distrito de Tiro e Sidom. O Ministério do Retiro teve início. Provavelmente durará até outubro do mesmo ano. Então Jesus agora entrou no território claramente gentílico. Então, eis que uma mulher cananita daquela região aproximou-se dele. Ela está constantemente gritando: "Tem piedade de mim, ó Senhor, Filho de Davi; minha filha está gravemente atormentada por um demônio". Pela forma como se dirigia a Jesus, é evidente a atitude reverente dela para com ele. Ela já teria ouvido sobre ele. Ela está sofrendo a horrível aflição de sua filha. Sequer parece ressentir-se pelo silêncio inicial do Mestre, pela constante insistência dos discípulos no sentido de ser despedida de imediato, pela declaração de Jesus: "Não fui enviado senão para as ovelhas perdidas da casa de Israel", nem mesmo por sua declaração aparentemente insultuosa: "Não é justo tirar o pão dos filhos e lançá-los aos cães domésticos." Temos de admirar a sua humildade. Também seu intenso amor por sua filha, com quem se identifica na união totalmente inseparável, de modo que o sofrimento da filha é o seu próprio sofrimento; as necessidades daquela são as necessidades da mãe. Note bem: "Senhor, socorre-me". A despeito de todos os obstáculos, ela persevera, convertendo a mesma palavra de aparente repreensão numa razão para otimismo.: "Mesmo os cães domésticos comem das migalhas que caem da mesa de seus donos". O fim é a vitória, o triunfo da sua fé, dom de Deus. "Seja feito como você deseja", diz Jesus. "E curada foi sua filha naquele exato momento". Viera ele salvar as ovelhas perdidas da casa de Israel? Muito bem, aqui estava uma genuína israelita!

          Nos poucos versículos restantes, nos é mostrado que Jesus gastou pelo menos três dias na costa oriental ou sul-oriental do Mar da Galiléia. De toda região circunvizinha as pessoas traziam seus familiares, amigos e vizinhos inválidos. Punham-nos aos pés de Jesus. Ele cura todos, sem levar em conta se homens, mulheres, jovens ou velhos, judeus ou gentios. As multidões ficavam atônitas e glorificavam "ao Deus de Israel". Essa mesma designação poderia indicar que muitos deles não eram da raça israelita.

          No litoral oriental ou sul-oriental do mar da Galiléia, Jesus, compadecendo de uma grande multidão que ficara com ele por três dias e nada tendo sobrado para comerem, diz a seus discípulos: "Não quero despedi-los famintos, para que não desfaleçam no caminho." Os discípulos, vendo-se perdidos diante da situação - parece que não haviam aprendido a lição da alimentação dos cinco mil - respondem: "Onde nesta região inabitada obteríamos pão suficiente para alimentar esta multidão?" Em resposta a sua pergunta, eles informam a seu Mestre que contam com apenas sete pães e uns poucos peixinhos. Então Jesus realiza para estas pessoas famintas um milagre que é semelhante, muitos aspectos, ao de alimentar os cinco mil. Sete cestos grandes cheios de pedaços sobram depois que todos se haviam fartamente alimentado. Só o fato de que Jesus foi capaz de repetir seus milagres comprova sua grandeza. O fato de que, como esta segunda multiplicação miraculosa dos pães indica, sua compaixão sai em busca tanto dos gentios quanto dos judeus, realça sua significação, comprovando que "o amor de Deus é mais amplo do que a medida da mente humana; e o coração do Eterno é mui maravilhosamente generoso."

 

5.1.3 - Revelando o Filho de Deus e sua Missão

          Depois de alimentar miraculosamente os quatro mil, Jesus voltou a atravessar o lago para passar uns poucos dias no litoral ocidental. Uma vez mais, como antes, suas obras maravilhosas são desafiadas, ainda quando só por implicação. Uma vez mais, como antes, os oponentes exigem que ele apresente um sinal. Desta vez, também, lhes é dito que o único sinal que podem esperar é aquele de Jonas. E desta vez, como antes, os que pedem o sinal são denominados "uma geração má e adultera".

          Quanto às diferenças: Dessa vez os desafiantes pedem especificamente um sinal "do céu", embora essa fosse provavelmente também sua intenção anteriormente. A segunda diferença é que desta vez os fariseus combinam com os saduceus na busca do sinal. Finalmente, dessa vez Jesus repreende seus adversários porque, conquanto saibam como interpretar os sinais do clima, não podem interpretar os "sinais dos tempos", que eram muito mais importantes.

          Com a entrada de Cristo no mundo, vastas mudanças estavam começando a ocorrer: nunca tantos demônios estavam sendo expulsos; dos enfermos, em grande número, era restaurada a saúde; os inválidos, libertados de sua invalidez; o legalismo, desmascarado; a salvação pela graça, ensinada e aceita; os homens, recebidos no reino de luz e amor; esse amor, plenário - até mesmo pelos inimigos -, defendido e exemplificado; o reino de Deus introduzido na terra. Não obstante, os inimigos da verdade se opunham a tudo isso. Continuavam aferrados aos seus velhos caminhos e teorias.

          Enquanto atravessavam de volta para o lado oriental ou norte do lago, os discípulos descobrem que haviam esquecido de comprar pão. Jesus lhes disse: "Tenham cuidado com o fermento dos fariseus e saduceus". Os discípulos, interpretando estas palavras literalmente, concluem que ele está contrariado com eles por terem esquecido de levar pão. Não se lembram mais dos dois milagres da multiplicação dos pães para uma grande multidão com, respectivamente, cinco pães e sete pães? Os discípulos finalmente entenderam que ele não lhes havia dito que se precavessem contra o fermento que estava no pão, mas contra o ensino dos fariseus e saduceus.

          Jesus pergunta aos seus discípulos: "Quem diz o povo ser o Filho do homem?" Quando respondem: "João Batista ... Elias ... Jeremias ... um dos profetas", ele pergunta: "Vocês, porém, quem dizem que eu sou?" Simão Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo". Jesus o declarou o bem-aventurado, acrescentando: "Você é Pedro, e sobre esta rocha edificarei minha igreja, e as portas do Hades não terão domínio sobre ela".

          Nessa primeira predição (em linguagem clara) dos sofrimentos, morte e ressurreição que se aproximam, Jesus poupa seus discípulos dos terríveis detalhes da amarga prova que o espera, repreende a quem o repreendeu (Pedro), enfatiza que um verdadeiro discípulo é alguém que não busca seus próprios interesses, mas se nega a si mesmo, e realça o fato de que o caminho da cruz conduz à glória. A glória do Filho do homem não se evidenciará plenamente até ao dia da segunda vinda. Entretanto, alguns dos que estavam ouvindo Jesus naquele momento veriam um começo dessa glória: é só pensarmos na ressurreição, no Pentecostes e na extensão rápida e vigorosa da igreja primitiva.

 

5.2 - O QUARTO DISCURSO: O CARÁTER E A AUTORIDADE DA IGREJA

 

          Ora, se um irmão pecar contra você, vá e mostre seu erro enquanto você estiver a sós com ele. Jesus acaba de advertir contra o mal de tentar outros a pecar. Em vez de ser a causa da ruína de alguém, todo seguidor do Senhor deveria dedicar-se à tarefa de encontrar a ovelha que se extraviou e trazê-la de volta ao redil. Suponhamos, porém, que existe uma situação inversa. Suponhamos que mesmo não seja um pecador, aquele que faz que outros se vejam emaranhados em pecado, mas alguém contra quem se cometeu pecado, o que fazer? Ao responder esta pergunta, o Senhor passa a dizer: "Ora, se um irmão pecar contra você..."

          Muito debate se tem centrado em torno da frase: "contra você". Mateus realmente escreveu isto? Jesus realmente disse isso? Ou é preciso omitir a frase diante do fato de alguns dos melhores e mais antigos manuscritos o omitirem? A principal questão não é a retenção ou a omissão da frase. Ainda quando as palavras como tais sejam deixadas fora do texto, e este simplesmente diga: "Ora, se um irmão pecar, vá e mostre-lhe o erro enquanto você está a sós com ele", a admoestação a ter uma entrevista privativa com o irmão faltoso não favorece um pouco a suposição de que o pecado em pauta foi também de caráter privativo? Além disso, o contexto, porventura, não favorece a retenção da frase, "contra você", seja expressa ou implicitamente? Note o versículo 21: "Então Pedro aproximou-se e disse: 'Senhor, quantas vezes quantas vezes meu irmão pecará contra mim e lhe perdoe?'" É como se ele estivesse dizendo: "Agora eu sei o que devo fazer quando meu irmão pecar contra mim, mas quantas vezes tenho que fazer isso?"

          O verbo pecar é de natureza muito geral, de modo que o significado de toda cláusula é este: "Se um membro da comunidade cristã obviamente erra o alvo, de modo que sua conduta em relação a você não se acha em harmonia com a exigência da anta lei de Deus, na forma expressa em 7:12-39; Marcos 12:31 ..."

          A segunda cláusula, que é a última, é: "vá e mostre o seu erro...", Jesus quer dizer que o irmão lesado deve, no espírito do amor fraternal, ir e mostrar o culpado o seu erro, e isso não - com certeza não principalmente - com o propósito de receber satisfação por um delito pessoal, e, sim, no interesse do culpado, para que o mesmo se arrependa e busque e encontre perdão. Não se diz se o irmão lesado deve fazer só uma visita pessoal ou deve ir mais de uma vez, e isso poderia depender das circunstâncias. Para salvaguardar a honra do irmão que pecou, Jesus acrescenta que a entrevista com o culpado deve ocorrer "enquanto você estiver a sós com ele", literalmente: "só entre você e ele", isto é, privativamente. Deve haver uma confrontação fraternal "face a face", "tête-à-tête". Os holandeses e os alemães usam freqüentemente uma expressão que, traduzida literalmente seria (um encontro) "entre quatro olhos".

          Se ele o ouvir, você ganhou a seu irmão, prossegue Jesus, na mesma disposição amorável. Você ganhou (isto é, terá ganho) a seu irmão; você terá sido instrumento na mão de Deus na salvação de seu irmão para o reino.

          Mas se ele não ouvir (a você), leve uma ou duas pessoas consigo... Como se Jesus quisesse dizer: "Se o pecador se recusar a admitir sua culpa e arrepender-se, não desista imediatamente." Por amor a ele, prossiga em seu trabalho.

          O irmão lesado é advertido a visitar novamente o culpado. Deve cuidadosamente escolher e levar consigo mais uma ou duas pessoas - exatamente quantas é deixado por conta dele. Quão sábia é esta admoestação! O Senhor Jesus Cristo, prevendo o futuro curso da igreja, passa a estipular um método de procedimento disciplinar que mereça sincera admiração e obediência. Todos quantos, em anos subseqüentes, lerem estas regras em sua inteireza, haverão de ficar impressionados por sua sabedoria e por seu caráter prático. Por exemplo, um membro da igreja que diz que tem motivo de queixa contra seu irmão, ao ler estas regras e ao notar que, se falhar em seu esforço em particular, tem de pedir a outras pessoas que o acompanhem, provavelmente perguntará a si mesmo: "Será meu caso tão grave que eu tenha de levar uma ou duas pessoas de são juízo comigo?" Ou será que estou fazendo tempestade num copo d´água?"

          A razão principal para levar consigo um ou dois está declarada nas palavras citadas de Deuteronômio 19:15: pelo depoimento de duas ou mais testemunhas, se estabelecerá o fato.

          Conseqüentemente, se essas duas ou três (testemunhas) não tiverem êxito, o próximo passo, para o qual os devidos preparativos já foram feitos, lamentavelmente terá de ser dado: Se ele se recusar a ouvi-las, conte à igreja. "Igreja", aqui, deve ser tomada no sentido de "a comunidade dos crentes, localmente organizada". Com base nos princípios que Jesus mesmo estabeleceu, o Novo Testamento cuidadosamente evita dois extremos nos quais alguns caíram em anos posteriores. Por um lado, se salvaguarda do extremo de minimizar o cargo e autoridade apóstolos e anciãos. Por outro lado, se salvaguarda do extremo de minimizar a elevada posição que toda congregação tem diante dos olhos de Deus, como se lhe faltasse maturidade; como se o corpo de todos os crentes, seja concebido localmente, denominacional ou universalmente, não tivesse voz real em questões de disciplina ou questões afins; e como se fosse privilégio das autoridades eclesiásticas governar arrogantemente, como tantos "figurõezinhos".

          Com toda certeza, as "autoridades" da igreja devem tomar a iniciativa. Assim também aqui, os apóstolos devem ser informados sobre a questão disciplinar que até aqui não foi resolvida. Mas quando chegar o tempo oportuno, não deveriam eles também, por sua vez, pedir à congregação como um todo que se lembre deles em suas orações, juntamente com todas as pessoas envolvidas, de modo que o Senhor os muna de sabedoria e graça numa questão tão importante? Não é possível ainda que o consistório ou conselho possa pensar em alguém alheio a seu próprio grupo imediato, um membro da igreja que seja bastante sábio, experimentado e santo, que prestar assistência? Certamente nem toda sabedoria reside nos "anciãos", "conselhos", "consistórios", "presbíteros" conferências "ou assembléias gerais", ou como queira que se chamem. Sem se evadir de modo algum de suas próprias responsabilidades, nem deixar de lado sua autoridade, não deveriam os bispos ou anciãos governantes reconhecer todo o corpo de crentes (aqui localmente organizados) em todas as questões importantes? Não é esse o claro significado do "conte à igreja?".

          Jesus prossegue: E se ele se recusar a dar ouvidos também à igreja, tratem-no como estrangeiro e publicano. Não é como se Jesus desprezasse ou nada tivesse que ver com estrangeiros ou publicanos. Mas assim como estrangeiros e publicanos, que ainda não se converteram, devem ser considerados como ainda alheios ao reino de Deus, assim também esta pessoa impenitente deve agora ser considerada como sendo da mesma classe. Em decorrência de sua obstinação, ela perdeu seu direito de filiação na igreja, e agora se tornou o doloroso dever da igreja fazer esta declaração - a fim de que ainda essa severa medida de exclusão venha, com a bênção de Deus, resultar na conversão de tal pessoa.

          A ausência de disciplina é uma desgraça para qualquer igreja. Deve haver normas concernentes à fé e conduta. Certamente, a igreja não tem o direito de regulamentar a vida de seus membros a tal ponto que a liberdade seja arrojada pela janela, o farisaísmo seja ressuscitado e a heresia colossense, reiterada. Mas há, além de tudo, certos princípios gerais claramente estabelecidos na Escritura e sumariados em passagens tais como Mateus 5:43-45; 10:32,33; 11:28-30; 16:24,25; 22:37-40, e muitas e muitas outras; princípios estes que, por assim dizer, sumariam toda a vontade de Deus para a vida humana. É privilégio e dever da igreja expor estes princípios e ordenar a seus membros que se esforcem, com o auxílio do Espírito de Deus, para aplicá-los à sua vida e pensamentos cotidianos. Não é possível que se tolerem as crassas e contínuas violações sem subseqüente arrependimento. É dever da igreja como um todo e como representada por aqueles que, pelo Senhor, foram designados para governar sobre ela, atar, isto é, proibir a violação desses princípios, e desatar, isto é, permitir tudo quanto esteja em harmonia com eles. Está implícito o direito de exclusão ou excomunhão da igreja, e, com base no arrependimento, de readmissão à igreja. É por esta razão que Jesus, falando agora no plural e referindo-se aos apóstolos como um grupo (que por sua vez representam a igreja), reitera o que previamente havia dito no singular, a Pedro. Diz ele: Eu solenemente lhes declaro, tudo que vocês ligarem na terra será ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra será desligado no céu. Indica que o Senhor considerava e ainda considera a disciplina uma questão importantíssima. Negligenciá-la significa a destruição final da final da igreja como meio poderoso de expandir a luz do Evangelho entre seus membros e entre os não-salvos. Não deve haver dúvida sobre o fato de que, estas palavras foram dirigidas aos discípulos ou apóstolos.

 

 

CAPÍTULO  VI  -  AS BÊNÇÃOS E O JULGAMENTO DO REINO

 

6.1 - DA GALILÉIA A JERUSALÉM

 

6.1.1 - A Vida Familiar do Reino

          Então os fariseus aproximaram-se dele e o tentaram, dizendo: É lícito a um homem divorciar-se de sua esposa por qualquer motivo? Essa tentação era, como ocorria com freqüência, uma espécie de cilada. Qualquer resposta que desse, pensavam os fariseus, Jesus estaria em dificuldade. A situação é como se segue: entre os judeus havia uma diferença de opinião quanto ao que Moisés ensinou com respeito ao problema do divórcio. Escreveu ele: "Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado 'erwath dabhar' nela, e se ele lhe lavrar um termo de divórcio..." (Dt 24:1). Mas, o que se quer dizer por 'erwath dabhar'? Significaria uma coisa escandalosa? Outras referência são: "cousa indecente", "algo impróprio", "conduta imprópria", "alguma coisa ofensiva", "uma coisa vergonhosa", etc. Segundo Shamai e seus seguidores, a referência era à falta de castidade, ou seja, o adultério. Segundo Hillel e seus discípulos, o sentido era muito mais amplo. Enfatizavam as palavras: "Se ela, pois, não achar favor a seus olhos", e conseqüentemente permitiam o divórcio pelas razões mais triviais, de modo que o esposo podia rejeitar a sua esposa se casualmente ela lhe servisse uma comida que estivesse ligeiramente queimada, ou se em casa ela falasse tão alto que os vizinhos a ouvissem. Se Jesus endossasse a interpretação mais restrita, favorecida por Shamai, estaria desagradando aos seguidores de Hillel. Além do mais, parece que eram muitos os que estavam de acordo com as opiniões mais "liberais" de Hillel. Mesmo os discípulos podiam ter participado desse ponto de vista. Além disso, se o Senhor tomasse o partido de Shamai, os fariseus poderiam acusá-lo, ainda que não de forma justa, de ser inconsistente quanto de todos os modos se associava com os pecadores e comia com eles.

          Em contrapartida, se Jesus endossasse a interpretação liberal - "qualquer coisa servirá como base para o divórcio" -, que pensariam os discípulos de Shamai? Não seria ele acusado pelas pessoas mais sérias e conscientes de tolerar a frouxidão moral? E o que pensaria dele a parte feminina da população?

          Jesus na foge da pergunta: "É lícito a um homem divorciar-se de sua esposa por qualquer motivo?" A reposta implícita deve ser: "Não por qualquer motivo, mas somente por infidelidade conjugal". Não obstante, antes mesmo de Jesus dar sua resposta, ele mostra que a ênfase subjacente à pergunta é errônea. Por que toda essa conversa sobre a possibilidade de divórcio, como a dizer: "Se este casamento não é feliz, posso em qualquer ocasião divorciar-me de minha esposa? Por que não avançar para além de Deteronômio 24, à própria instituição do matrimônio registrada em passagens tais como Gênesis 1:27 e 2:24? Ele respondeu e disse: Vocês não têm lido que desde o princípio o Criador os fez macho e fêmea, e disse: Por esta razão um homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá a sua esposa, e os dois serão uma só carne? Segue que não mais são dois, mas uma só carne.

          É óbvio que Jesus considerava Gênesis 2:24 (em conexão co Gn 1:27) como uma ordenança divina, e não como uma descrição do que geralmente sucede na terra. E visto que alguém não está forçando o original hebraico de Gênesis 2:24 ao ressaltar a idéia dessa instituição divina na tradução - por isso "deixará o homem... e se unirá", não meramente "um homem deixa e se une" -, que boa razão pode haver para não expressá-la?

          Que Jesus deveras considerava assim o matrimônio, isto é, como uma união indissolúvel, uma união até que a morte separe os dois, uma instituição definitivamente divina que não deve ser adulterada, é evidente à luz do seguinte: a) doutra sorte seu argumento perderia sua força; b) o auditório não precisaria que lhe dissesse que é costume que os homens se casem; c) isto está em harmonia com as palavras que vêm imediatamente, isto é: O que, pois, Deus juntou, que o homem não separe.

          Isso não quer dizer que um homem comete pecado se não se casar. Ao contrário, significa que os que resolvem casar-se devem considerar o matrimônio como uma instituição divina, um estado no qual devem conduzir-se de tal maneira que não só se estabeleça a verdadeira união - sexual, note, "se unirá a sua esposa", mas também intelectual, moral e espiritual - é não só estabelecida, porém mais e mais firmemente cimentada.

          Os fariseus haviam se acostumado a falar do divórcio e a descuidar da ordenança divina do matrimônio, que mesmo agora recusam a aceitar de coração a exposição que Jesus faz em Gênesis 1:27 e 2:24. Preferem muito mais enfatizar a possibilidade do divórcio: Eles lhe disseram: Por que então Moisés ordenou que se lhe dê um certificado de divórcio e a divorciá-la? A referência é, naturalmente, a Deuteronômio 24:1-4. Ele lhes disse: Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés permitiu que se divorciem de suas esposas; mas não foi feito dessa forma desde o princípio. Uma coisa é dizer a um homem: "Se você não gosta de sua esposa, vá em frente e se divorcie dela".Inteiramente diferente é dizer: "Se você está convicto de que tem uma razão plausível para rejeitar sua esposa, deve pelo menos fornecer-lhe um certificado de divórcio. Além disso, seria melhor considerar cuidadosamente o que você está para fazer; porque, se depois você se arrepender do que fez, pode ser impossível recuperar o que perdeu". Como se enfatizou anteriormente, Moisés fez tudo que estava ao seu alcance para desestimular o divórcio. Foi somente pela dureza do coração do povo que Moisés fez a concessão! Os fariseus estão muito mais interessados na concessão de Deuteronômio 24 do que na instituição de Gênesis 1:27 e 2:24. E assim Jesus retrocede uma vez mais à ordenança original do matrimônio, isto é, à forma em que havia sido "desde o princípio".

          Jesus agora declara que quem se divorciar de uma esposa fiel, e acrescenta ao seu pecado casando-se com outra, desse modo tornando impossível a reconciliação com a mulher com quem se casara, se envolve em - ou: comete - adultério. A forma da declaração do versículo 9 é tal que, ao mesmo tempo, é uma resposta à pergunta do versículo 3: "É lícito a um homem divorciar-se de sua esposa por qualquer motivo?" Disse Jesus: Eu, porém, lhes digo que qualquer um que se divorcie de sua esposa, exceto no caso de infidelidade dela, e casar-se com outra, envolve-se em adultério.

          Crianças! Como Jesus as amava! Não é de forma alguma surpreendente, portanto, que alguns seguidores de Jesus lhe trouxeram seus pequeninos para que ele lhes impusesse suas mãos, abençoando-os e orando por eles. De que idade eram esses pequeninos? Há aqueles que, baseando sua teoria no fato de que a palavra usada no original para "criancinhas", no Novo Testamento de modo algum está confinada aos que são de pouca idade, crêem que os que foram levados a Jesus eram meninos de idade escolar ou mesmo mais velhos. Não obstante, Lucas 18:15 nos informa que essas "criancinhas" eram realmente "infantes". Eles, ou pelo menos muitos deles, tinham sido "levados" a Jesus nos braços de seus pais.

          Continua: Os discípulos os repreendiam (os que as traziam). Repreendiam, não as crianças, naturalmente, mas seus pais, ou, em termos mais gerais, a todos os que as traziam, provavelmente mães e pais em sua maioria; em uns poucos casos, talvez irmãs ou nutrizes.

          Estariam os discípulos parados à porta e com gestos veementes afugentassem todos os que chegavam a casa levando as crianças em seus braços? Seria sua conclusão: Jesus não deve ser molestado; Ele tem coisas a fazer que são muito mais importantes do que abençoar criancinhas? Jesus, porém, disse: Deixem as criancinhas e parem de impedi-las de vir a mim, porque a elas pertence o reino do céu.

          A razão que Jesus apresenta para ordenar a seus discípulos que deixem de impedir os pequeninos que vão a ele é: "porque a elas - isto é, a elas e a todos os que são como elas em humilde confiança - pertence o reino do céu".No presente caso, o versículo significa que, em princípio, todas as bênçãos da salvação pertencem, mesmo agora, a esses pequeninos, fato este que seria realizado progressivamente aqui na terra e perfeitamente na vida do porvir.

          E ele impôs suas mãos sobre elas e partiu dali. A imposição das mãos era o ato simbólico que indicava e acompanhava a bênção real que se outorgava ali mesmo a essas crianças.

 

6.1.2 - A Entrada no Reino

          Um homem rico aproximou de Jesus e perguntou: Mestre, o que de bom farei para que possua a vida eterna? O jovem compreendeu que ele ainda não havia atingido a vida eterna, nem mesmo em princípio. Foi este o fato que o deixou inquieto, intranqüilo. Ao ir a Jesus ele buscava a fonte certa. Não sabemos até que ponto este jovem entendia a natureza da "vida eterna". Se "vida" significa resposta ativa ao ambiente de alguém, então vida eterna deve significar uma resposta ativa, interminável, ao melhor dos ambientes, a saber, o celestial. É comunhão com Deus.

          Agora, é preciso apreciar o fato de que esse jovem estava em busca de salvação. Não estava tão absorvido pelos deleites terrenos que não pudesse preocupar-se com as coisas de Deus. Não obstante, estava cometendo um erro trágico. Torna-se patente à luz de sua pergunta - "O que de bom farei?" - que ele cria na salvação pelas obras. Ora, visto que a essência das boas obras, para a glória de Deus, se encontra nos Dez Mandamentos, e visto que estes mandamentos estavam ali para que todos lessem, tanto na forma complexa quanto em resumo.

          Nesta seção sobre os perigos das riquezas e a recompensa do sacrifício se descreve um importante jovem rico e sua famosa pergunta acerca do que fará de bom para possuir a vida eterna. Este jovem parece estar convicto de que já era praticamente de toda a lei, mas ainda quer saber se porventura não havia ainda uma boa obra adicional que deveria praticar a fim de se salvar. Sua compreensão do que se acha envolvido na obediência a lei de Deus é muito superficial. Quando Jesus lhe diz que em seu caso pessoal o requerido amor para com o próximo significa que deve vender todos os seus bens e dar o produto aos pobres, o jovem, profundamente decepcionado, vai embora. Não se sente disposto a entregar a Jesus a sua pessoa e todos os seus pertences. Isso leva o Mestre a dizer aos seus discípulos: "Eu solenemente lhes declaro, será difícil para um rico entrar no reino do céu..." Quando eles perguntam: "Então, quem poderá salvar-se?", ele responde: "Para o homem isso é impossível, mas para Deus todas as coisas são possíveis". Em resposta à pergunta de Pedro, Jesus assegura aos discípulos que, com base em seu sacrifício voluntário, um rico galardão os aguarda no universo restaurado; de fato, tanto aqui quanto no porvir um gracioso galardão é concedido a todos quanto se sacrificam por amor a Cristo. Somente devem precaver-se quanto ao espírito mercantil para que o mesmo não os domine, porque "muitos primeiros serão últimos, e (muitos) últimos, primeiros".

          O dono de uma propriedade vai à praça do mercado bem de manhã para contratar trabalhadores para a sua vinha. Ele consegue um acordo com eles de um denário diário e os envia para a vinha. Ele contrata mais trabalhadores às 9 horas, ao meio-dia e às 15 horas, prometendo-lhes: "O que for justo lhes darei", uma garantia que esses homens aceitam ser regatear. Às 17 horas ele ainda envia mais alguns trabalhadores para a vinha. Esses também se sentem felizes por ir, sem questionar. Ao terminar a jornada de trabalho, o dono ordena ao capataz que pague o salário dos homens, mas estranhamente acrescenta: "começando com os contratados por último". Mais estranho ainda: todos os homens devem receber o mesmo salário: um denário. Os primeiros contratados se queixam do proprietário, porque, diante do que os contratados por último receberam, eles (os que foram contratados primeiro) esperavam mais. Invejam os que chegaram por último. O proprietário os faz lembrar do fato de que haviam concordado trabalhar por denário diário. Recrimina-os por seu espírito mercantil, sua de reconhecer o direito do proprietário em fazer com o seu dinheiro o que quiser e por sua repugnante inveja.

 

6.1.3 - Abrindo os dos Cegos Espirituais e Físicos

          O parágrafo seguinte (vv. 17-19) contém a terceira predição da paixão e ressurreição de Cristo que se aproximavam. É muito mais detalhada que as anteriores, ao descrever vários dos detalhes da amarga prova que Jesus estava para suportar.

          Em ambos esses parágrafos (vv. 1-16 e vv. 17-19) se enfatiza o serviço solícito, a disposição para o sacrifício por amor dos outros, sem nunca perguntar: "Que proveito há nisso para mim?" Quão moroso é o povo aprender esta lição! Isso surge claramente no parágrafo (vv. 20-28) que nos relata o pedido da mãe dos de Zebedeu. Ela se ajoelha diante de Jesus Cristo com o pedido: "Ordena que esses dois filhos meus se assentem um à tua direita e outro à tua esquerda em teu reino".Seus filhos, Tiago e João, se unem à sua mãe para pedir esse favor. Jesus enfatiza que: a "grandeza" pela qual anseiam requer sacrifício; não é ele, mas o Pai celestial quem determinou o grau de glória que cada um de seus redimidos receberá; a verdadeira grandeza só se obtém pelo esquecimento de toda e qualquer grande pessoal para dedicar a vida a Deus, mediante humilde serviço em favor dos outros, em conformidade com o exemplo de Cristo. O sacrifício único e incomparável de Cristo se realça na significativa passagem: "o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar sua vida como um resgate no lugar de muitos".

          O parágrafo final (vv. 29-34) descreve o que ocorreu quando Jesus e seus discípulos viajavam desde a Peréia em direção sudoeste, para o outro lado do Jordão, e assim para Jerusalém e para a cruz, via Jericó. Quando iam saindo de Jericó, dois cegos, sentados à beira do caminho, gritam: "Senhor, tem compaixão de nós, Filho de Davi". Sua miserável condição consiste nisso: que eram não somente cegos, mas também mendigos. A dificuldade deles é agravada por que a grande multidão que seguia Jesus, lhes diz para ficarem em silêncio. Sua louvável persistência se realça à luz do fato de que, em vez de ficarem em silêncio, gritam cada vez mais alto. Finalmente, a maravilhosa bênção que Jesus lhes confere, não só porque os curou, mas também porque os trata com maravilhosa compaixão e ternura.

 

6.2 - O REI ENTRA EM JERUSALÉM

 

6.2.1 - Entrada Triunfal e Purificação do Templo

          ,A Semana da Paixão começa com a entrada triunfal em Jerusalém no domingo e a purificação do templo na segunda-feira.

          A semana da Paixão, que foi seguida pela ressurreição, começa aqui. Mateus nos informou que Jesus deixou a Peréia, atravessou o Jordão e em Jericó restaurou a visão de dois cegos. De Jericó, o grupo se dirigiu para Jerusalém. Por razões bem fundadas é possível presumir que chegaram a Betânia - o lar de Simão o leproso, Lázaro, Maria e Marta - antes do pôr-do-sol de sexta-feira, que no sábado Jesus tenha desfrutado do repouso sabático com seus amigos, que na noite de sábado tenha havido uma ceia em sua homenagem, e que no dia seguinte, sendo domingo, tenha ocorrido à entrada triunfal em Jerusalém.

          Ao sair da Betânia, Jesus envia dois de seus discípulos a um pequeno vilarejo, Betfagé. Ele lhes dá instruções detalhadas para que tragam um jumentinho, sobre o qual pretende montar a fim de entrar em Jerusalém. Mateus realça que havia dois animais envolvidos: um jumentinho e sua mãe; mais adiante, porém, tudo indica que Jesus faz uso apenas do jumentinho. Os discípulos realizaram a incumbência segundo a ordem de Cristo.

          Os discípulos forram os animais com suas vestes, e quando entendem que Jesus deseja montar o jumentinho, o ajudam a montar. Jesus começa a cavalgada para Jerusalém. Tanto Mateus quanto João vêem nesse evento um cumprimento da profecia de Zacarias.

          Ao descer a costa oriental do Monte das Oliveiras, e chegar perto de Jerusalém, todo mundo (com exceção dos fariseus hostis) começa a gritar: "Hosana ao Filho de Davi..." Os que haviam testemunhado a ressurreição de Lázaro prosseguem em seu testemunho. Resultado: a animação atinge o seu clímax. Os fariseus, ao ouvirem as aclamações, ficam fora de si de inveja e apela a Jesus que as detenha: "Mestre, repreende teus discípulos!" Jesus responde: Eu lhes digo que, se estes ficarem em silêncio, as próprias pedras clamarão ". Quando, repentinamente, a cidade aparece ante seus olhos, Jesus, percebendo claramente que muito do louvor que ora recebe é superficial e tem por base sua identificação com um Messias terreno e político, se põe a chorar em voz alta. Ante seus olhos proféticos surge a visão de Jerusalém como cidade sitiada, rodeada pelas legiões romanas. Num gemido de amargo lamento, ele explica:" Quem dera você conhecesse ainda hoje, sim, você mesma, as coisas que pertencem à paz ", mas agora estão ocultas de seus olhos..." Quando Jesus entra em Jerusalém, a cidade inteira se agita. Todos os que haviam ficado para trás, ao verem que alguém se aproximava rodeado por uma grande multidão e entra na cidade cavalgando um jumentinho, perguntam: "Quem é este?" E a resposta não se faz esperar: "Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia".Ao entardecer, Jesus retorna a Betânia com seus discípulos.

 

6.2.2 - Parábolas a Respeito da Resistência ao Rei

          Quanto mais ensinava no templo, os principais sacerdotes e os anciãos lhe perguntavam: "Com que autoridade estás fazendo estas coisas, e quem te deu esta autoridade?" Precisamente a que "coisas" se referiam não é inteiramente certo, embora todas as seguintes ou a maioria delas provavelmente estivessem inclusas: a entrada triunfal, a purificação do templo, o ensino e a pregação do Evangelho ali e a realização de milagres. A origem celestial de Cristo já havia sido muito claramente estabelecida por João Batista. Mas os principais sacerdotes, os anciãos e os escribas não aceitaram o testemunho de João. Não obstante, para muitos da plebe, João era considerado como sendo um profeta. E assim Jesus formula sua contrapergunta, ou seja: "De onde era o batismo de João, do céu ou dos homens?" Tal pergunta trouxe grande constrangimento aos líderes. Então responderam: "Não sabemos". Jesus replicou: "Tampouco lhes direi com que autoridade faço estas coisas".

          Na parábola dos dois filhos, na qual o primeiro, havendo se recusado a atender o pedido do pai para trabalhar na vinha, depois se arrependeu e foi, e o segundo, quer prometeu muito e nada cumpriu, Jesus retratou, respectivamente, os pecadores arrependidos e os líderes impertinentes.

          Na parábola dos meeiros perversos, que não se recusaram a dar ao proprietário sua parte na vindima, mas que ainda abusaram dos servos que vieram recebê-la, matando alguns deles, e por fim, matando o amado filho do proprietário, o que resultou na terrível destruição deles mesmos, Jesus retratou os Judeus, como representados por seus líderes. Ainda que tivessem matado profetas e fossem crucificar a Jesus, ele por fim triunfaria sobre eles, como predito no Salmo 118:22,23.

          O rei dá uma festa nupcial para o seu filho. Envia os convites e, subseqüentemente, os servos a colocar os que haviam sido convidados. Como ainda então ninguém parece estar disposto a atender, envia outros servos, dessa vez com um apelo urgente: "Atenção, já preparei meu banquete, meus vitelos e gado cevado já foram abatidos, e tudo está pronto; venham para as bodas". Quando todas essas insistências vão de encontro com a indiferença e mesmo com atos de hostilidade, o rei destrói os assassinos e põe fogo à cidade.

          O monarca, insistindo em que o salão das bodas estivesse abarrotado de convivas - que maravilhosa visão do coração de Deus cheio de amor nos proporciona esta generosidade! - envia seus servos a reunir a todos quantos encontrarem pelos caminhos, quer bons quer maus.

          Não obstante, quando entra no salão das bodas, depara com um homem que, sem qualquer justificativa, não está usando um manto nupcial. Tal homem é lançado nas mais distantes trevas. O amor soberano não anula a responsabilidade humana. Para ser salvo, alguém tem de "vestir-se" de Cristo.

          Quando uma pessoa viaja ao longo da vida, há especialmente três perguntas que devem ser formuladas. Em ordem ascendente na escala de importância, são: a) Qual é o meu dever com relação ao governo?; b) Quando eu morrer, viverei outra vez. c) Que darei ao Senhor por todos os benefícios para comigo? Essas perguntas foram delineadas por Jesus de forma diferenciada. Sua resposta foi: a) "Dê a César o que a César é devido, e a Deus o que a Deus é devido", afirmação esta na qual nem o hediano mais ligado ao imperador nem o fariseu mais radical puderam achar falta; b) "Deus não é Deus dos mortos, e, sim, dos vivos", o que implica tanto a imortalidade quanto a ressurreição corporal "; c)" Você amará o Senhor seu Deus de todo o ser e a seu próximo como a você mesmo "". O amor espontâneo é o cumprimento da lei.

          Jesus mesmo formulou a mais importante pergunta: "Se Davi chama a Cristo de Senhor, como pode Cristo ser Filho de Davi?" É Jesus Cristo simplesmente o ponto final de uma linhagem genealógica? Noutros termos, é ele simplesmente o tema apropriado para argumentação e debate? Ou é ele deveras nosso "Senhor", a quem amar e servir equivale à vida eterna?

 

6.2.3 - Conflitos com Fariseus e Saduceus

          Depois de umas poucas palavras introdutórias nas quais Jesus declara que até onde interpretam o ensino de Moisés de forma genuína, os fariseus e escribas devem ser obedecidos, ele adverte o povo e seus discípulos para que imitem a conduta desses guias, porque em vários aspectos não praticam o que ensinam. As três partes são: a) uma descrição dos pecados dos escribas e dos fariseus; b) os sete ais impetrados contra eles; e c) o comovente lamento de Cristo sobre Jerusalém impertinente.

          Jesus diz a seu auditório que estes peritos na lei e seus partidários falham em três sentidos: são destituídos de sinceridade, de compaixão e de humildade. São insinceros porque amontoam cargas pesadas sobre os ombros dos homens, preceito sobre preceito, mas quando se trata deles mesmos, não se dispõem a mexer nessas cargas sequer com um dedo. São inclementes, porque não tentam aliviar as cargas dos homens. Finalmente, são presumidos, como é evidente à luz do modo como tentam impressionar os homens com sua piedade. Os artigos de seu atavio - caixas de orações e franjas - que o Senhor havia preceituado como memoriais da lei, eram usados de modo que ficassem bem visíveis. Ao ampliar os filactérios e alagar as franjas que pendiam dos quatro cantos de suas vestes externas, davam a esses objetos maior proeminência. Amam os lugares de honra nas festas e nas sinagogas, e gostam de ser chamados "Rabi". Jesus exorta seus seguidores para que manifestem uma atitude oposta, lembrando-os de que a vaidade é castigada e a humildade é recompensada.

          Jesus impetra sete ais contra os escribas e os fariseus. Ele os censura porque:

a)     Estão fechando a porta do reino aos homens;

b)    Seduzem à hipocrisia os profélitos, depois de, com grande esforço, tê-los conquistado para a religião judaica;

c)     Confundem a verdade relativa ao juramento, como se ouro do templo fosse mais importante do que o próprio templo e a oferta sobre o altar, do que o próprio altar; de modo que jurar pelo templo e pelo templo não era obrigatório;

d)    Revertem os valores, como se dizimar pequenas ervas e condimentos fosse de maior importância do que a prática da justiça, da misericórdia e da fidelidade, e como se coar o mosquito fosse obrigatório ainda quando isso significasse ter de engolir o camelo;

e)     Incitam ao ritualismo, como se a purificação dos corpos e dos pratos fosse preferível ao exercício da honestidade de ganhar a comida e bebida que vai dentro dos mesmos, e do domínio próprio em consumir seu conteúdo;

f)      Buscam evidenciar seu caráter religioso, como se a aparência exterior fosse uma máscara adequada para a fraude e o crime;

g)     Alardeiam acerca de sua bondade superior, que se fossem melhores que seus ancestrais que mataram os profetas.

          Por todos estes pecados se pronuncia juízo contra eles.

 

6.3 - O QUINTO DISCURSO: O JULGAMENTO DO REINO

 

6.3.1 - Sinais do Fim dos Tempos

          Este é o segundo mais longo dos seis discursos de Cristo. O evangelista Mateus dedica um espaço maior a este discurso do Marcos e Lucas, embora muitas partes do capítulo 24 encontre paralelo nos outros Sinópticos, e eles, por sua vez, tenham umas poucas passagens que não se encontram em Mateus 24. O sermão é geralmente conhecido como "Discurso Escatológico de Cristo" ou "Discurso sobre as Últimas Coisas". Para indicar mais claramente seu conteúdo, pode usar-se também o título: "Indispensável prudência na abordagem acerca do retorno do Filho do homem como Juiz e Galardoador".

          O esforço para combinar Mateus 24 e 25 com o capítulo 23, fazendo dos 23 a 25 um só discurso, a fim de, por meio desta manipulação, reduzir os seis discursos a cinco - comparável aos cinco livros de Moisés! - não procede, pois a mensagem encontrada no capítulo 23 foi pronunciada no templo; a registrada nos capítulos 24 e 25 foi pronunciada no Monte das Oliveiras. Aquela teve como auditório as multidões e os discípulos de Cristo; esta, somente os discípulos. Os temas são também inteiramente diversos, conforme já indicado.

          A matéria profética encontrada no nesse sexto discurso tem referência não apenas a eventos próximos, mas também àqueles que se estendem para o futuro.

          Por meio do processo da perspectiva profética, fenômeno segundo o qual os acontecimentos extensamente separados são vistos como se fosse um só bloco, assim como as montanhas vistas de longe, as quais se fundem ante nossos olhos, aqui se entrelaçam dois acontecimentos de grande importância, a saber: o juízo sobre Jerusalém (sua queda no ano 70 d.C.) e o juízo final na história da consumação do mundo. Nosso Senhor prediz a iminente catástrofe como um tipo de tribulação no final desta dispensação. Ou, colocando a questão de forma diferente, ao descrever o breve período de grande tribulação, no final da História, que termina com o juízo final, Jesus está descrevendo com as cores tomadas por empréstimo da destruição de Jerusalém pelos romanos.

          O ponto de vista que ora é bastante popular, segundo o qual o capítulo 24, incluindo passagens tão importantes, que descreve o Filho do homem vindo nas nuvens do céu, com poder e grande glória, se limita aos ais que estavam por vir sobre o povo judeu no ano 70 d.C., está aberta as seguintes objeções: Se restringirmos dessa maneira o significado, então Jesus não teria respondido à pergunta dos discípulos. Para estudarmos o conteúdo dessa pergunta, devemos nos referir não apenas ao Evangelho de Marcos (13:4) e o de Lucas (21:7), mas também ao de Mateus (24:3). Isso nos fornece um quadro completo. Na pergunta dos discípulos estavam incluídas as seguintes palavras: "... qual será o sinal de tua vinda e do fim do século?" Ora, se em todo discurso que se segue Jesus nunca falou de sua vinda escatológica na consumação da história mundial, então ele não respondeu à pergunta deles. É-nos dito com clareza (Mt 24:29) que a tribulação a que esta passagem se refere precede "imediatamente" o aparecimento "do sinal do Filho do homem no céu".

          Jesus enfatiza que ninguém - "nem os anjos dos céus, nem o Filho, mas somente o Pai" - sabe o dia e a hora em que esse grande evento terá lugar. Ele quer dizer simplesmente que ninguém sabe quando Jerusalém será destruída? No v. 37 lemos: "Como (foi) nos dias de Noé, assim será vinda do Filho do homem".A destruição da face da terra por meio do dilúvio é simplesmente uma prefiguração da queda de Jerusalém, ou é uma prefiguração de que "o céu e a terra passarão", segundo a referência feita no v. 35? Não só contexto imediato, mas também 2 Pedro 3:5-77 nos fornece a resposta.

          Se a elevada linguagem de 24:29-31 não tem nenhuma outra referência mais importante e final do que destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., então, pelo mesmo raciocínio, haveria de dar-se também às palavras de 25:31-46 uma interpretação restrita. Observar o paralelo: em ambos os casos, o Filho do homem aparece em intensa glória, e o povo ("seus eleitos" - "todas as nações") é reunido em sua presença. Mas 25:46 demonstra, sem qualquer possibilidade de refutação, que a consumação dos séculos chegou. O momento chegou quando "estes - cabritos, a saber, os ímpios - irão para o castigo eterno; os justos, irão para a vida eterna".

          Não se alega, naturalmente, que algum exegeta esteja plenamente apto para desenredar o que se encontra aqui bem entrecido, a ponto de indicar exatamente em cada passagem individual quanto se refere à queda de Jerusalém e quanto à grande tribulação e à segunda vinda.

          A ênfase principal em ambos os capítulos está na necessidade de se estar sempre alerta e ativo no serviço do Mestre, sempre fiel a ele.

 

6.3.2 - Parábolas Aconselhando Vigilância

          Então o reino do céu será comparável a dez moças que, tomando suas lâmpadas, saíram para encontrar-se com o noivo. É a parábola das cinco moças insensatas e das cinco prudentes. Uma comparação entre 25:13 e 24:42,44 mostra claramente que existe uma estreita conexão entre esta parábola e a imediatamente precedente. Ambas enfatizam a necessidade de se estar preparado em todo o tempo para a vinda do Noivo. Jesus Cristo. Como as dez "virgens" da parábola tinham a obrigação de estar bem preparadas para encontrar o noivo, assim também todos os que professam Jesus como seu Senhor e Salvador devem estar prontos a recebê-lo quando de seu regresso ele introduzir "o reino do céu".

          Porque (será) como um homem que, antes de viajar, chamou seus servos e pôs sua propriedade nas mãos deles. (A parábola dos Talentos). É possível dividir-se a matéria aqui apresentada da seguinte forma: Como um homem de negócios, ao sair de viagem, distribuiu seus talentos entre seus servos; o uso diversificado que fizeram dos talentos; a prestação de contas que ocorreu quando o "senhor" regressou e a primeira lição ensinada (vv. 28-30). Eis aqui claramente um caso de expressão abreviada. O significado, com toda probabilidade, é que o que ocorre em "o reino do céu"em sua manifestação final se assemelha ao resultado da história concernente aos talentos.

          A essência da parábola, pois, é esta: Que cada um seja fiel no uso das oportunidades que o Senhor lhe deu. Tais oportunidades, concedidas a cada um segundo sua capacidade (dada por Deus), por gratidão a Deus deveriam ser aperfeiçoadas de tal forma que a glória do Deus Triúno seja promovida, seu reino se estenda e seus "pequeninos" sejam beneficiados. A negligência é castigada; a diligência, recompensada.

          Tudo o que temos, sejam oportunidades, seja a capacidade de usá-las com proveito, pertencem a Deus. Nos somos os depositários. Deus é o dono. O que temos continua sendo "propriedade sua". Somos administradores. O Senhor nos concede oportunidades de serviço em concordância com nossa capacidade de fazer uso delas. Conseqüentemente, visto nem todos terem a mesma capacidade, por isso nem todos têm as mesmas ou um igual número de oportunidades (de oportunidades de serviços, de "talentos"). A questão é apenas esta: "Temos sido fiéis no uso delas?". Pecado não é só cometer homicídio, adultério, latrocínio, etc., mas é também omitir as boas obras para a glória de Deus. Jesus não esperava voltar imediatamente. Ele sabia que transcorrer um tempo relativamente longo antes de seu regresso. Tudo deve ser feito visando o dia do acerto de contas que virá. "Como será visto este desejo, este pensamento ou este ato no dia do juízo final?" - eis a pergunta que deve ser constantemente formulada. Ainda que, à luz de seu significado para a eternidade, nossas oportunidades aqui e agora sejam muito importantes, elas serão suplantadas por aquelas da vida por vir. Participar da alegria do próprio Senhor e da alegria de todos os salvos é glória da vida futura. Em vez de ser fiel ao que lhe é confiado, a pessoa perversa e indolente apresentará desculpas.

          O que se segue não é realmente uma parábola, embora contenha elementos parabólicos. É uma descrição dramática, freqüentemente simbólica, do juízo final. Descreve a gloriosa vinda do Filho do homem, acompanhada pelos anjos. O Filho do homem é aqui representado como que sentado em "o trono de sua glória". O símbolo indica um trono em extremo glorioso, ou seja, um trono caracterizado em esplendor, brilho, resplendor ou radiância exteriores, correspondendo ao esplendor interior e essencial dos atributos de seu Ocupante.

          Em algum lugar do universo renovado estará estabelecido este trono ou centro da majestade e juízo. Onde será iss? Alguns o localizam na terra. Outra pergunta é se as passagens a que fazem referência realmente o comprovam. Duas possíveis objeções contra a idéia de o trono estar na terra poderiam ser: No livro do Apocalipse, o trono de Deus e do Cordeiro geralmente se encontram nas regiões celestiais, e não na terra; Haveria lugar na terra para todas as gerações que já vieram, de modo que estejam reunidas diante do trono do juízo? Mas se não é na terra, por que não nos ares? (Isso ainda não impedirá que o Filho do homem esteja na terra depois do juízo). De qualquer forma sabemos que na volta de Cristo os crentes serão arrebatados nas nuvens, para encontrar o Senhor nos ares. Por que seria impossível que os crentes saiam jubilosamente ao encontro de seu Senhor e Salvador, enquanto ao mesmo tempo os perversos serão obrigados a comparecer perante o trono do juízo?

          Uma coisa é certa: ele terá um trono em extremo glorioso. Deus, pelo Mediador Jesus Cristo, será o Juiz. Naturalmente, nas obras divinas expansivas (tais como a criação, a providência, a redenção, o juízo) cooperam todas as três pessoas da Santíssima Trindade. Não obstante, à luz de nossa presente passagem, é evidente que a honra de julgar foi concedida a Jesus Cristo como Mediador, ou seja, como recompensa por sua medianeira consumada.

          Associados com o Filho do homem no juízo estarão os anjos. São mencionados aqui não só porque, ao formarem o cortejo de Cristo, manifestam sua glória, mas também porque a ele foi dada uma tarefa a cumprir. Ajuntarão os perversos diante do trono do juízo e os lançarão na fornalha do fogo. Que os anjos também ajuntarão os eleitos dos quatro ventos e os conduzirão ao seu Juiz-Salvador, é evidente à luz de Mateus.

          Portanto, é evidente que o juízo descrito inclui todos, toda a raça humana. É tão universal aqui quanto em Apocalipse 20:11-15. Ninguém será excluído, nem os perversos nem os justos. "Todas as nações" indicam todas as pessoas indiscriminadamente; não, por exemplo, as "nações" como contrastadas com "os judeus", como se a essência do Grande Juiz fosse descobrir como os judeus trataram esta ou aquela nação.

          Os reunidos diante do trono são pessoas, indivíduos, sem qualquer consideração por sua nacionalidade; daí, "todas as nações". E no caso de determinado indivíduo, o que importa é se ele, durante sua vida terrena, deu evidência de sua fé no Senhor Jesus Cristo; portanto, de uma vida em harmonia com os mandamentos e exemplos de Cristo.

          Com base nessa determinação, o Juiz separará os que estão reunidos, como um pastor separa as ovelhas dos cabritos. Ainda que ovelhas e cabritos durante o dia às vezes fiquem misturados, quando o pastor chama as ovelhas, os cabritos não atendem. Provavelmente, as ovelhas simbolizem os que confiem em - ou seja, "seguem" - o Salvador, são mansos e obedientes; os cabritos, os que são beligerantes, desobedientes e destrutivos. O modo como alguém que está diante do Filho do homem tem tratado a seu povo, ou seja, a todos os salvos pela graça, sem considerar nacionalidade, raça, etc., determina se ele é ovelha ou cabrito.

          Assim colocada, cada pessoa saberá imediatamente se ela é "salva" ou "condenada". Que os crentes também estarão diante do trono é óbvio não à luz da própria descrição - "todas as nações ... ovelhas ...cabritos" - mas também á luz de passagens tais como João 5:28,29; Romanos 14:10; 1 Coríntios 3:13; 2 Coríntios 5:10. Não obstante, os crentes não "entrarão em juízo", não são condenados.

 

 

CAPÍTULO  VII  -  PAIXÃO E RESSURREIÇÃO

 

7.1 - TRAIÇÃO E APRISIONAMENTO

 

7.1.1 - Preparação para a Morte de Jesus

          O capítulo 25 encerrou-se com a indicação de um agudo contraste entre os perversos, encaminhados ao castigo eterno, e os justos, destinados à vida eterna. Tal contraste é também notado no capítulo 26: os governantes planejam a morte de Jesus, são contrastados com Maria de Betânia, a derramar seu precioso perfume - evidência de seu amor e devoção - sobre a cabeça de Jesus Cristo.

          A inveja dos líderes fora despertada pelos milagres de Cristo, e chegou a um clímax ressurreição de Lázaro dentre os mortos, levando muitas pessoas a crerem em Jesus. A ira dessas mesmas autoridades religiosas se desencadeara ainda mais pelo efeito da entrada triunfal sobre as multidões, da purificação do templo, das parábolas que sabiam eles lhes eram destinadas e do discurso por meio do qual os sete ais foram pronunciados contra os escribas e os fariseus.

          Conseqüentemente, o Sinédrio, indicado aqui por dois de seus três grupos - "os principais sacerdotes e anciãos" - convocou uma reunião. Sem dúvida, o terceiro grupo, que consistia de "os escribas", estava também representado. O plano de matar Jesus não teve sua origem nessa reunião. Esse propósito era engendrado desde há muito tempo. O que agora se decide é como realizar este plano. Os líderes concordam num plano de apanhar Jesus de surpresa, à traição. Estariam eles já agora elaborando o tipo de trama em que Judas teria um papel tão importante? Como quer que tenha sido, uma coisa é certa, a pessoa que os presidia não iria refreá-los de empregar de métodos suspeitos para concretizar seu intento.

          Quem é que os presidia? Seu nome era Caifás ("José, que se chamava Caifás", diz Josefo). Não se sabe o significado preciso do nome Caifás, ainda que tenha sido interpretado como fisionomista (perito na arte de ler o caráter nos traços ou forma do rosto de uma pessoa) ou, numa ligeira modificação dessa interpretação, adivinho, profeta. Havendo sido designado ao sumo sacerdócio por Valeriano Grato, o predecessor de Pôncio Pilatos, no ano 18 d.C., seria deposto por Vitelo, o sucessor de Pôncio Pilatos, no ano 36 d. C. Caifás era genro de Anás, que foi sumo sacerdote de 6-15 d.C.

          Os conspiradores sabiam que, especialmente entre os milhares de galileus que assistiam às festividades que duravam oito dias, Jesus contava com muitos amigos e adeptos, pessoas que, em caso de alguma ação contra seu Líder, poderiam tornar-se um problema para as autoridades. E assim ficou decidido adiar a prisão, etc. até que os seguidores de Jesus não mais estivessem por perto.  Que essa parte do plano tenha malogrado foi devido ao fato de que, em virtude da inesperada cooperação oferecida por um dos próprios discípulos de Jesus, os eventos tomaram um curso muito mais rápido do que havia sido previsto.

          "Não durante a festa", dizem os conspiradores. "Durante a festa", declarou o Todo-Poderoso; "depois de dois dias", ecoou Jesus. Suas palavras, e as dos conspiradores, parecem ter sido pronunciadas em horário idêntico, pois o contexto parece implicar até aqui, para essa ocasião, o sentido temporal completo deve ser dado à palavra inicial do versículo 3, "Então". O decreto divino sempre vence; no interesse do reino, e para a glória de Deus.

          "Um dos doze era a tragédia". Não podem deixar de lembrar do Salmo 41:9: "Até meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia de meu pão, levantou contra mim o calcanhar". De fato, a própria Escritura nos anima a olhar nessa direção a fim de sentir algo da profundidade do pecado desse (Judas Iscariotes) e de sua responsabilidade.

          "O que estão dispostos a dar-me se eu o entregar a vocês?" Naturalmente, os principais sacerdotes "se alegraram" quando ouviram essas palavras. Aqui, precisamente quando estavam num dilema, imaginando talvez que as multidões de peregrinos, vindos da Páscoa judaica, estivessem muito solidariamente do lado de Jesus, vem este homem - um dos doze companheiros íntimos de Quem consideravam seu inimigo - oferecer voluntariamente seus serviços! Os principais sacerdotes teriam considerado isso como uma resposta às suas orações. E eles lhe pesaram trinta peças de prata. Ali mesmo, no ato, se concretizou o acordo, o dinheiro lhe foi pago.

7.1.2 - A Última Ceia e Getsêmani

          As palavras "meu tempo é chegado", claramente indicam a consciência de Cristo em relação ao fato de que estava realizando a obra que o Pai lhe dera para fazer. Cada detalhe desta obra estava delineado no decreto eterno, de modo a haver para cada evento um momento estipulado. A predição detalhada de Jesus se cumpriu literalmente. Os discípulos se encontram com o homem que carregava o cântaro, etc. Fazem todos os preparativos necessários. A predição exata e seu preciso cumprimento nos lembram de ocasiões semelhantes, quando parece que a onisciência de Cristo em virtude de sua natureza divina comunicou a informação à sua mentalidade humana. "Um de vocês irá me trair".Jesus já havia lavado os pés de seus discípulos, comunicando-lhes uma lição de humildade. Depois de os deixar perplexos, dizendo-lhes que um deles irá traí-lo. A indicação do traidor ocorreu, segundo nossa passagem, "enquanto comiam", ou seja, depois de a refeição ter começado e ter estado em andamento havia algum tempo.

          "Um de vocês!" caiu-lhes como um raio do céu. Foi um golpe que os deixou aturdidos. "O quê! Teria o Mestre realmente dito que um de seu próprio grupo irá entregá-lo às autoridades, para que o tratem como bem quiser? Isso era quase incrível. Não obstante, aquele que nunca disse uma falsidade, e cujo nome era "a Verdade", estava dizendo isso; então devia ser verdade.

          Tanto em Mateus como em Marcos há indicação de que esta é certamente a última vez que ele estará com os discípulos neste gênero de ceia. Por meio desta declaração e do que nela fica implícito, ele prediz sua morte iminente e ordena a seus discípulos e a seus seguidores ao longo de todos os tempos que prossigam fazendo-o em memória dele até a sua segunda vinda. Eu, porém, lhes digo que de agora em diante não mais beberei deste fruto da videira até que chegue o dia em que eu o beba de novo com vocês no reino de meu Pai.

          Saindo pelo portão oriental, localizado ao norte do templo, Jesus e seus discípulos caminharam pela estrada que cruza o ribeiro invernal de Cedron. Seguiram até um ponto em que essa estrada se divide em três ramificações, uma das quais conduz ao Monte das Oliveiras. Em algum lugar perto desta encruzilhada havia um horto chamado Getsêmani que, com toda probabilidade, significa "prensa de azeite". Provavelmente fosse um lugar afastado, cercado, com algumas oliveiras e talvez um tanque usado no outono para pôr uma prensa de azeite de oliva. Seria o dono do horto seguidor de Jesus? Parece provável que assim fosse, porque Jesus ia este lugar com freqüência em companhia de seus discípulos. Portanto, era um lugar tranqüilo, um lugar para ensinar, orar, descansar e dormir.

          Todas as ondas e vagalhões de angústia se derramaram sobre sua alma. Por que este terror e desalento? Seria por ele saber que neste exato momento udas estava chegando - ou se preparando para vir - a fim de o entregar a seus inimigos? Seria por ele estar dolorosamente cônscio de que Pedro o negaria, que o Sinédrio o condenaria, que Pilatos o sentenciaria, que seus inimigos zombariam dele e que os soldados finalmente o crucificariam? Sem dúvida, tudo isso estava incluído. Entretanto, à medida que a história avança, notamos que foi especialmente o pensamento de que ele, uma alma plenificada de ternura e sensibilidade, estava para ficar cada vez mais sozinho e isolado. Um grande número já o havia abandonado. Seus discípulos o iriam abandonar. Pior de tudo, na cruz irá gritar: "Meu Deus, meu Deus, por que tu me abandonaste?"

 

7.2 - O JULGAMENTO E EXECUÇAO DO REI

 

7.2.1 - Julgamento Religioso diante do Sinédrio

          Para se entender Mateus 26:57-68 e o que se segue, é necessário ter em mente que Jesus teve de passar por dois julgamentos. O primeiro é às vezes chamado de julgamento eclesiástico; o segundo, o civil. O primeiro constitui de três etapas, e o mesmo ocorreu com segundo. As três etapas do assim chamado julgamento eclesiástico foram: a audiência preliminar perante Anás; o julgamento perante o Sinédrio, isto é, perante Caifás e os escribas e anciãos; e o julgamento perante esta mesma corporação um pouco antes do amanhecer. A audiência perante Anás, descrita somente por João, não deve ser confundida com o julgamento perante Caifás. As três etapas no julgamento perante autoridades civis foram: o julgamento perante Pilatos; o julgamento perante Herodes; e continuação do julgamento perante Pilatos. Assim como a audiência perante Anás se encontra somente no Evangelho segundo João, também o comparecimento de Cristo perante Herodes só é relatado por Lucas.

          Os principais sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam obter falso testemunho contra Jesus, a fim de poderem entregá-lo à morte; mas não encontraram (nenhum), embora se apresentassem muitas falsas testemunhas.

          Para aquele que era absolutamente sem pecado, sujeitar-se a um julgamento conduzidos por homens pecaminosos era por si só mesmo uma profunda humilhação. Ser julgado por tais homens e sob tais circunstâncias tornava-se algo infinitamente pior. O cobiçoso, viperino e vingativo Anás; o rude, astuto e Hipócrita Caifás; o velhaco, supersticioso e egoísta Pilatos; e o imoral, ambicioso e superficial Herodes Antipas - tais pessoas eram seus juízes.

          Na verdade, o julgamento como um todo não passou de uma farsa. Foi um julgamento sem efeito. Não havia a menor intenção de dar a Jesus uma audiência justa com o objetivo de descobrir, em estrita conformidade com as leis da evidência, se as acusações contra ele eram justas ou infundadas. Nos anais da jurisprudência nunca ocorreu nenhuma caricatura de justiça mais vergonhosa do que essa. Além do mais, para chegar a tal conclusão nem é necessário fazer miraculoso estudo de todos os detalhes técnicos com referência à lei judaica daqueles dias. Diversos autores têm enfatizado que o julgamento de Jesus foi ilegal com base em vários aspectos técnicos. Pormenores da lei têm sido mencionados reiteradamente e usados como argumentos para comprovar a ilegalidade de todo o processo contra Jesus de Nazaré. Tentativas se têm feito, também, para refutar esses argumentos, um a um. A mui sutil casuística do direito rabínico tinha descoberto todo gênero de métodos para ludibriar as próprias regras. Tudo o que Caifás tinha a fazer era declarar que a condenação de Jesus naquele momento e naquelas circunstâncias era em benefício do povo e da religião.

          Daí esse julgamento não passar de uma conspiração, e a conspiração toda é deles. Eles a engendraram e eles a concretizaram. Seus oficiais tomaram parte na prisão de Jesus. Eles mesmos estavam presentes! Eles buscaram as testemunhas -, aliás, falsas testemunhas - contra Jesus com o fim de que eles o levassem à morte. Daí, isso não é na realidade de forma alguma um julgamento. É um assassinato.

 

7.2.2 - Julgamento Civil Perante Pilatos

          Pôncio Pilatos era o quinto governador da metade meridional da Palestina. Ele era "governador" no sentido de ser procurador, que governa uma província imperial, e como tal, responsável diretamente perante o imperador. Ainda que se lhe houvera outorgado a jurisdição civil, criminal e militar, ele estava sob a autoridade do legado da Síria.

          À luz das fontes que chegaram até nós, podemos concluir que ele não era uma pessoa com muito tato. À luz dos Evangelhos, deduzimos que ele era orgulhoso e cruel. É provável que fosse tão supersticioso quanto sua esposa. Acima de tudo, como o indicam todos os relatos do julgamento de Jesus diante dele, era muito egoísta, só buscando estar de bem com o imperador. Odiava sumariamente os judeus que, segundo ele via, estavam sempre lhe causando problemas. Não se pode provar que estivesse completamente privado de qualquer resíduo de compaixão humana e de todo senso de justiça. De fato, há passagens que parecem apontar na direção oposta. Em todo caso, embora sua culpa seja grande, não era tão grande como a de Anás e Caifás.

          De manhã bem cedo o Sinédrio condenou Jesus à morte; visto, porém, que esta entidade carecia de autoridade para concretizar essa sentença, deram ordens para que Jesus fosse manietado e assim, como prisioneiro em cadeias, fosse conduzido ao governador Pilatos.

          Foi quando percebeu que Jesus era levado que Judas sentiu sua consciência golpeada? Deve ter ocorrido imediatamente ou logo depois. Quando tentou devolver as trinta peças de prata aos principais sacerdotes e aos anciãos, esses recusaram este dinheiro de sangue. Então o arrojou no templo - possivelmente na tesouraria. A seguir se foi enforcou-se. A consciência da hierarquia judaica, ainda que suficientemente elástica para nutrir desígnios homicidas contra Jesus, não pode tolerar que dinheiro de sangue fosse depositado na tesouraria, ainda quando este mesmo lugar pudesse muito bem ter sido a fonte qual fora obtido inicialmente, e esse dinheiro de sangue viesse da parte dos próprios principais sacerdotes. E assim, para satisfazer seus escrúpulos, compraram com o dinheiro o Campo do Oleiro como jazigo para estrangeiros; cumprindo-se, assim, a profecia de Jeremias.

 

7.2.3 - A Crucificação

          Calvário, do meio-dia às quinze horas. Houve trevas sobre toda a terra, trevas estas símbolo da maldição sobre o pecado, a qual Jesus estava levando. Às quinze horas ele clamou em voz alta: "Eli, Eli, lema, sabachthani". Ele sentiu-se desamparado de Deus, no sentido exposto (até onde uma "explicação" é possível) no Salmo 22. É injusto comparar os mártires cristãos que, embora torturados, caminhavam para a morte com um cântico nos lábios com Jesus que, agonizante, gritou. Ele morreu "desamparado, par que nós jamais fossemos desamparados!" Que diferença extraordinária! Quando Jesus morreu, depois de haver cumprido tudo quanto lhe fora designado, ocorreram vários sinais. A cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo. A terra se convulsionou, as rochas se partiram, os túmulos se abriram, revelando que a morte de Cristo tinha importância até mesmo para a esfera natural. Santos que haviam sido sepultados nas proximidades do Calvário ressuscitaram, e algum tempo depois apareceram a muitos em Jerusalém, apontando para a gloriosa ressurreição dos crentes no dia do regresso de Cristo. O centurião exclamou: "Com certeza este era o Filho de Deus". Diversas mulheres nobres estavam observando à distância. Quanto à sua identidade e as razões por que devem ser tidas como nobres, observamos, que só umas poucas dentre muitas mulheres são mencionadas nominalmente.

 

7.3 - SEPULTAMENTO E RESSURREIÇÃO

 

7.3.1 - Guardando o Túmulo

          Já como se indicou, Jesus morreu às quinze horas. Segundo a antiga forma hebraica de expressar, havia "dois entardeceres". O primeiro "entardecer", que chamaríamos de "tarde", começa às quinze horas; e o segundo, às dezoito horas. Provavelmente algo disso se refere na frase "Ao cair da tarde", pois não nos é possível imaginar José de Arimatéia, um judeu, indo a Pilatos às dezoito horas de sexta-feira, para pedir o corpo de Jesus, quando o sábado já estava principiando. Muito antes disso ele tinha que começar os preparativos. Era contra a lei deixar um corpo morto no madeiro durante a noite. Isto teria sido ainda mais repreensível se, ao proceder assim, o corpo morto ficasse pendente no madeiro ou na cruz no dia de sábado. Além do mais, esse era o sábado da semana da Páscoa. Aquele sábado era deveras grande! Além de tudo isso, como já se realçou previamente, era costume sepultar uma pessoa logo depois que a morte se consumasse. Por todas estas razões, é evidente que, se o corpo de Jesus tinha mesmo de ser sepultado, teria de ser agora mesmo, ou seja, antes das dezoito horas.

          Mas, quem se encarregaria disso? É preciso ter em mente que os discípulos tinham fugido. É certo que João voltara e se achava entre os espectadores do Calvário, mas não por muito tempo. Fora-lhe confiado o cuidado de Maria mãe de Jesus, e ele a levara para sua casa. Não obstante, voltou ao Calvário, pois vira a lança ser cravada, mas podemos perceber com nitidez que ele não tivera tempo algum de fazer os preparativos para o sepultamento de Jesus.

          É nessa altura que José de Arimatéia entra em cena. Que tipo de homem era ele? Era rico. Portanto, quando providencia um túmulo para Jesus, cumpre-se a profecia de Isaías 53:9. Era também "um homem bom e justo", um homem que, embora fosse membro do Sinédrio, não consentira com o veredicto pronunciado contra Jesus por esta entidade.

          Havia sido discípulo de Jesus só de forma bem secreta. É possível que tivesse medo de que, se fizesse algo em favor de Jesus fosse expulso não só do Sinédrio, mas também da sinagoga. Agora, porém, em resultado do amor de Cristo por ele, este homem de repente se torna muito corajoso. Foi um ato ousado de sua parte pedir o corpo de Jesus; e, além disso, seus colegas de Sinédrio por fim descobririam a real natureza de sua lealdade.

          De acordo com tudo o que lemos nos Evangelhos sobre este homem, ele podia ser qualquer coisa, menos um conspirador ou um sublevador secreto. Nem era necessário acrescentar que tampouco Jesus era conivente com um conspirador. Ele mesmo era - e é - "a verdade" e, portanto, aquele que odeia e denuncia toda e qualquer hipocrisia.

          Havendo assegurado por meio do centurião de que Jesus realmente morrera, o governador atendeu ao pedido de José. Este então volta ao Calvário, onde o corpo lhe é entregue.

          Os líderes judaicos querem que Pilatos emita uma ordem para que os soldados sob seu comendo guardem o túmulo até o terceiro dia. De uma forma, essa foi uma ação muito astuta. Esses homens não estão muito seguros de sua própria capacidade de impedir que os discípulos roubem o corpo de Jesus e a seguir divulguem o boato de que ele ressuscitou dos mortos; mas estão certos de que a autoridade do governador designado por Roma não será desafiada. De outra forma, porém, essa foi uma ação tola. Antes de tudo era tola porque o que os discípulos menos pensavam era na série de predições de Cristo concernente a uma ressurreição. A ação destes líderes era ainda mais tola porque podiam e deviam saber que nenhuma força do mundo poderia impedir o cumprimento das predições de Cristo.

          Os principais sacerdotes e os fariseus se regozijaram no fato de que sua solicitação fora atendida. Não obstante, querem certificar-se de que a promessa de Pilatos seja concretizada cabalmente. Por isso vão ao jardim de José ver a guarda com seus próprios olhos. A guarda está postada. Na presença desses soldados que receberam a ordem de vigiar esse túmulo a fim de que ninguém o violasse, fixam na pedra à entrada do túmulo uma corda coberta de argila ou cera na qual imprimiram um selo oficial. Com certeza, ninguém ousaria romper este selo ou mover esta pedra.

 

7.3.2 - A Ressurreição

          O sábado veio e se foi. Agora é a aurora de domingo. É definitivamente o primeiro dia da semana. Foi então que Maria Madalena e "a outra Maria", a saber, Maria mãe de Tiago e José, vieram ver o túmulo. Mateus abrevia. Marcos adiciona Salomé. Lucas adiciona Joana, e indica que havia outras. Embora nesse ponto João mencione somente Maria Madalena, mesmo esse Evangelho subentende que outras mulheres a fizeram acompanhar.

          Elas foram "ver o túmulo". Aqui também Mateus resume. É preciso ter em mente que José de Arimatéia e Nicodemos haviam envolvido o corpo com bandagens de linho, embebidos com um misto de mirra aloés. Entretanto, o corpo morto não havia ainda sido ungido. Algum tempo depois das dezoito horas de sábado - daí, "passado o sábado" -, as mulheres compraram o que precisava para ungir o corpo. E assim agora, no domingo bem cedo, vão ao túmulo fazer isso com o fim evitar rápida decomposição.

          É verdade que deveriam ter prestado maior atenção à reiterada predição do Senhor de que ressurgiria ao terceiro dia. Em contrapartida, embora possamos criticar-lhes a falta de suficiente fé - falta esta de que os discípulos masculinos também participavam -, não olvidemos de seu excepcional amor e lealdade. Estavam no Calvário quando Jesus morreu, no jardim de José quando o Mestre foi sepultado; e agora nessa madrugada, ei-las aqui uma vez mais, procurando ver o túmulo, isto é, para certificar-se de que tudo esteja em ordem e para ungir o corpo. Entretanto, onde estariam os onze?

          De repente houve um violento terremoto, um anjo do Senhor desceu do céu, avançou, removeu a pedra e sentou-se em cima. Em conexão com a presença do Senhor, seus poderosos efeitos redentivos e a manifestação de sua ira derramada sobre os inimigos de seu povo, a Escritura faz freqüente menção da ocorrência de terremotos. É como se o terremoto quisesse dizer: "Ouçam, o Senhor está falando!" Apropriadamente, houve um terremoto no momento da morte de Jesus; e provavelmente haverá muitos e terríveis terremotos em conexão com a segunda vinda de Cristo. Assim agora também, em conexão com a ressurreição de Cristo, repentinamente ocorreu um grande ou violento terremoto.

          A causa do tremor foi a descida do céu de um mensageiro especial de Deus, um anjo. Ele deu um passo em frente e deve ter arrancado a pedra completamente de seu encaixe, tombando-a para o lado. O pesado bloco ficou estendido no chão e o anjo sentou-se sobre ele, para simbolizar o triunfo de Cristo.

          As mulheres não assistiram a esse evento. Só viram o resultado. Nem mesmo as "testemunhas da ressurreição" viram Jesus sair do túmulo. Entretanto, o que viram uma vez ou outra foi o próprio Cristo ressurreto, o que deveras era uma prova poderosa de sua ressurreição.

 

7.3.3 - A Grande Comissão

          Os onze foram para a Galiléia, porque ali é onde Jesus prometera encontrá-los, e para onde as mulheres, em obediência à instrução do anjo e do próprio Jesus, foram ordenadas a ir. Foi certamente generoso por parte do Salvador ressurreto encontrar-se com seus discípulos nas proximidades de suas casas e onde moravam muitos amigos e crentes. Esse monte deve ter sido um lugar de cenário pitoresco e de aprazível tranqüilidade - longe do tumulto das ruidosas cidades e vilarejos. Acima de tudo, um cenário de ternas reminiscências, tanto para Jesus mesmo quanto para seus seguidores, lembrando-lhes o que sucedera antes; talvez nessa elevação particular, talvez noutras. Foi num monte que Jesus chamara seus discípulos; seria também num monte que ele se despediria deles.

          Cerca de uma dúzia de aparecimentos do Cristo ressurreto se acham registradas na Escritura. É provável que o presente aparecimento aos onze coincida com, ou seja, parte do aparecimento a "quinhentos irmãos" (1Co 15:6), a maioria dos quais ainda vivia quando Paulo escreveu 1 Coríntios.

          Quando o Senhor subiu ao céu, esse evento não ocorreu na Galiléia, e, sim, no Monte das Oliveiras, nas vizinhanças de Jerusalém.

          Voltando, então, à Galiléia e ao relato do último aparecimento de Jesus registrado no Evangelho de Mateus, e que pode ter ocorrido bem pouco antes da ascensão, lemos: E quando o viram, o adoraram, mas alguns duvidaram. Quando os discípulos repentinamente viram a Jesus, prostrara-se diante dele num ato de adoração. Alguns, contudo, duvidaram. Desde o princípio os discípulos tiveram dificuldade em crer que Jesus realmente ressuscitaria dos mortos. Quando dez finalmente creram, um (Tomé) ainda se mostrava indeciso. Ele também se convenceu.

          Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a observar tudo o que eu lhes tenho ordenado. Podemos dizer que "a Grande Comissão" é uma passagem de relevância fundamental.

          "Havendo ido, portanto, façam discípulos..." Em tais casos, tanto o particípio quanto o verbo que o segue pode ser - presente caso deve ser - interpretado como tendo força imperativa. "Façam discípulos" é por natureza um imperativo. É um mandamento enérgico, uma ordem. Mas, o que precisamente se quer dizer por "façam discípulos?" Não é precisamente o mesmo que "façam conversos", ainda que o último esteja certamente explícito. A expressão "façam discípulos", põe maior ênfase sobre o fato de que tanto a mente quanto o coração e a vontade devem ser conquistados para Deus. Um discípulo é um aluno, um aprendiz.

          O apóstolo, pois, deve proclamar a verdade e a vontade de Deus ao mundo. É indispensável que os pecadores descubram acerca de sua própria condição perdida, acerca de Deus, seu plano de redenção, seu amor, sua lei, etc. Não obstante, isto não é suficiente. O verdadeiro discipulado subentende muito mais. Um entendimento meramente mental até agora não vez um só discípulo. É parte do quadro, de fato uma parte muito importante, mas simplesmente uma parte. A verdade aprendida deve ser praticada. Deve ser apropriada pelo coração, pela mente e pela vontade, para que se permaneça e se continue na verdade. Só então alguém é verdadeiramente "discípulo".

 

CONCLUSÃO

 

          A ênfase de Mateus sobre Jesus como o cumprimento da profecia mostra que a vida e o ministério de Jesus eram parte do plano único de Deus durante toda a historia de Israel, e não um gesto desesperado. Todo o Evangelho enfatiza que Jesus é Emanuel (Deus conosco)

          Os ensinamentos de Jesus no Evangelho de Mateus pedem obediência e continuam a expor a falsidade e a hipocrisia na vida pessoal e corporal.

          O livro também chama a atenção da igreja para a missão, a proclamação da boa nova a todos os povos. Os discípulos de Cristo precisam aprender a viver em meio à tensão de duas eras, a era atual do cumprimento na pessoa de Jesus (em suas palavras e obras em sua igreja pelo poder do Espírito) e o tempo vindouro, isto é, a consumação de todas as coisas. Enquanto isso, pede-se que os cristãos sejam humildes, pacientes, genuínos, fiéis, atentos e responsáveis - seguros da presença de Jesus ressurreto enquanto esperam seu retorno, quando a fé irá dar lugar à visão.

          Este Evangelho apresenta Jesus como o cumprimento de todas as expectativas e esperanças messiânicas. Mateus estrutura cuidadosamente suas narrativas para revelar Jesus como cumpridor de profecias específicas. Portanto, ele impregna seu Evangelho tanto de citações quanto com alusões ao Antigo Testamento, introduzindo muitas delas com a fórmula "para que se cumprisse".

          Mateus apresenta Jesus como o Senhor e Mestre da Igreja, a nova comunidade, que é chamada a viver na nova ética do Reino dos Céus. Jesus declara "a Igreja" como seu instrumento selecionado para cumprir os objetivos de Deus na terra. O Evangelho de Mateus pode ter servido como manual de ensino para a Igreja antiga, incluindo a surpreendente Grande Comissão, que é garantia da presença viva de Jesus.

          A atividade do Espírito Santo é evidente em cada fase da vida e ministério de Jesus. Foi por meio do poder do Espírito que Jesus foi concebido no ventre de Maria.

          Antes de Jesus começar seu ministério público, ele foi tomado pelo Espírito de Deus, e foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo como preparação adicional ao seu papel messiânico. O poder do Espírito habilitou Jesus a curar e a expulsar demônios.

          Da mesma forma que João imergia seus poderes na água, Jesus imergirá seus seguidores no Espírito Santo. Encontramos ainda uma advertência conclusiva, dirigida contra os falsos carismáticos, aqueles que, na Igreja, profetizam, expulsam demônios e fazem milagres, mas não fazem a vontade do Pai. Presumivelmente, o mesmo Espírito Santo que inspira atividades carismáticas também deve permitir que as pessoas da Igreja façam a vontade de Deus.    

          Jesus declarou que suas obras eram feitas sob o poder do Espírito Santo, evidenciando que o Reino de Deus havia chegado e que o poder de satanás estava sendo derrotado. Portanto, atribuir o poder do Espírito Santo ao diabo era cometer um erro imperdoável. O Espírito está ligado aos exorcismos de Jesus e à presente realidade do Reino de Deus, não apenas pelo fato do exorcismo em si, pois os filhos dos fariseus (discípulos) também praticavam exorcismo. Mais precisamente, o Espírito Santo está executando um novo acontecimento com o Messias - "é chegado a vós o Reino de Deus".

          Finalmente, o Espírito Santo é encontrado na Grande Comissão. Os discípulos são ordenados a ir e a fazer discípulos de todas as nações. Em sua obediência a esta missão, os discípulos de Jesus têm garantida sua constante presença com eles.

          A última palavra do Evangelho de Mateus relembra a promessa feita no início do Livro: Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco ". Jesus estará sempre junto daqueles que se comprometeram com ele e seu projeto de justiça. E isso nos faz pensar. Os que conheceram Jesus querem ficar com ele para sempre. Os que ainda não o conhecem têm um desejo misterioso, ou melhor, um pressentimento de que existe um desconhecido no meio deles, e que esse desconhecido pode revelar o caminho da justiça. Por que não vamos nós até essas pessoas angustiadas e desesperadas, revelando o nome desse desconhecido, e mostrando o que ele disse e fez? O Pai ganhará mais um filho, este filho ganhará muitos irmãos e, todos juntos, continuaremos a luta pela justiça, que trará liberdade e vida para todos.

           

 

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