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Literatura Comparada

 

 

A CRIATIVIDADE DO POETA LÍRICO DO SÉCULO XX EM CONFRONTO COM A LÍRICA SENTIMENTAL DO POETA DO ROMANTISMO (SÉCULO XIX).

 

JUSTIFICATIVA:

                  A leitura e comparação dos textos e obras que representam a Literatura Brasileira levam o estudioso a entender melhor a obra literária como criação estética integrada no contexto sócio-cultural e torna-o capacitado a caracterizar o ser nacional brasileiro em relação a si mesmo e aos outros povos. A criatividade do poema lírico do séc. XX em confronto com a lírica sentimental do poeta romântico (séc. XIX) justifica-se porque, apesar da crítica literária considerar a obra de Casimiro de Abreu estereotipada e superficial, o poema sob comparação, além da grande popularidade que alcançou, apresenta nítida intertextualidade com o poema moderno de Gilberto Mendonça Teles, sendo este, a absorção e transformação do texto pretérito. Ademais, é sabido que a linguagem poética se lê, pelo menos, como dupla, daí importância da análise comparativa, pois a criação é um procedimento natural e contínuo de reescrita.

 

OBJETIVO:

            O presente trabalho tem por objetivo elucidar o interdiscurso e a intertextualidade presente no poema Meus Oito Anos de Casimiro de Abreu e "Meus Outros Anos" de Gilberto Mendonça Teles, ressaltando seus diálogos, por meio de análise e comparação lexical, textual, literária, social, histórica e política de ambas as obras.

 

INTRODUÇÃO:

                     Introduz-se este trabalho com os dois textos a serem comparados, pois trechos dos mesmos serão utilizados ao longo desta comunicação. O primeiro é de autoria de Casimiro de Abreu, escritor romântico; o segundo, de Gilberto Mendonça Teles, artista moderno:

 

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

Que amor, que sonho, que flores,

Naquelas tardes fagueiras,

À sombra das bananeiras,

Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias

Do despontar da existência!

- Respira a alma inocência

Como perfumes a flor;

O mar é - lago sereno,

O céu - um manto azulado,

O mundo - um sonho dourado,

A vida - um hino d´amor!

 

Que auroras, que sol, que vida,

Que noites de melodia

Naquela doce alegria,

Naquele ingênuo folgar!

O céu bordado d´estrelas,

A terra de aromas cheia,

As ondas beijando a areia

E a lua beijando o mar!

 

Oh! dias da minha infância!

Oh! meu céu de primavera!

Que doce a vida não era

Que doce a vida não era

Nessa risonha manhã !

Em vez de mágoas de agora,

Eu tinha nessas delícias

De minha mãe as carícias

E beijos de minha irmã !

 

Livre filho das montanhas,

Eu ia bem satisfeito,

De camisa aberto o peito,

- Pés descalços, braços nus -

Correndo pelas campinas

À roda das cachoeiras,

Atrás das asas ligeiras

Das borboletas azuis!

 

Naqueles tempos ditosos

Ia colher as pitangas,

Trepava a tirar as mangas,

Brincava à beira do mar;

Rezava às Ave-Marias,

Achava o céu sempre lindo,

Adormecia sorrindo

E despertava a cantar!

 

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Eu me lembro, eu me lembro, Casimiro,

no meu São João, no meu Goiás, na aurora

da minha vida, eu li o teu suspiro,

li teus versos de amor que leio agora.

 

E que meu filho lê, e todo mundo

sabe de cor, de coração, de ouvido,

desde que sinta o apelo mais profundo

de tudo que tem força e tem sentido.

 

Contigo comecei a ver e vi

as coisas mais comuns ? o natural:

o rio, a bananeira, a juriti

e a tarde que cismava no quintal.

 

Contigo descobri a travessia

do tempo na manhã, no amor, no medo,

nos olhares da prima que sabia

a dimensão maior do meu brinquedo.

 

E até este confuso sentimento,

esta idéia de pátria, que persiste,

veio de teus poemas, no momento

em que tudo era belo e apenas triste

 

era pensar no exílio e ver no termo

um motivo de doença e de pecado;

triste era imaginar o poeta enfermo,

tossindo os seus silêncios no passado.

 

Eu me lembro, eu me lembro! e quis de perto

ver o teu rio, teu São João, teu lar;

ler a poesia desse céu aberto

que continuas a escrever no mar.

 

 

                  O diálogo entre os dois textos é evidente, embora tenham sido escritos em épocas totalmente diferentes. Há um saudosismo dialógico que será a base dessa análise comparativa onde a intimidade e a literatura se entretecem.

 

DESENVOLVIMENTO:

 

Com o advento da Revolução Industrial do século XVIII, a burguesia, na Europa, vai ocupando espaço político e ideológico maior. As idéias do emergente Liberalismo incentivam a busca da realização individual, por parte do cidadão comum. Nas últimas décadas do século, esse processo levou ao surgimento, na Inglaterra e na Alemanha, de autores que caminhavam num sentido contrário ao da racionalidade clássica e da valorização do campo, conforme normas da arte vigente até então. Esses autores tendiam a enfatizar o nacionalismo e identificavam-se com a sentimentalidade popular. Essas idéias foram a gênese do que se denominou ROMANTISMO.

                  No Brasil, a poesia romântica é marcada, num primeiro momento, pelo teor patriótico, de afirmação nacional, de compreensão do que era ser brasileiro, ou pela expressão do eu, isto é, pela expressão dos sentimentos mais íntimos, dos desejos mais pessoais, diferente do ideal de imitação da natureza presente na poesia árcade. Isto tudo seguido de uma revolução na linguagem poética, que passou a buscar uma proximidade com o cotidiano das pessoas, com a linguagem do dia-a-dia.

 

                  Casimiro de Abreu, poeta que integra a 2ª geração do romantismo brasileiro, nos fala da sua saudade dos tempos de menino, da liberdade, da alegria, da inocência, quando tudo era belo e havia grande felicidade, contudo, com o passar dos anos, com a chegada da idade mais avançada, a tal felicidade já não mais existe. Ele tinha a infância, a primavera, a doce vida... ao "em vez de mágoas de agora..." Observa-se que no poema "Meus Oito Anos" há fortes marcas de subjetividade e sentimentalismo. O uso de adjetivos e metáforas para caracterizar a idade pueril do eu lírico e a nostalgia presente nos versos conferiram o caráter subjetivo ao texto. O sentimentalismo, por sua vez, está explícito nas interjeições e no tom exclamativo dos versos.

 

                  O diálogo entre os dois textos apresenta características literárias semelhantes embora em épocas completamente distintas. Um primeiro traço a ser comparado é o saudosismo. Observa-se que em ambos há uma saudade diferente: da infância (Casimiro de Abreu) "Oh que saudades que tenho (...) Da minha infância querida" e daquilo que absorveu do próprio Casimiro de Abreu e que carregou ao longo de sua vida (Gilberto Mendonça Teles): "eu me lembro..., no meu Goiás, na aurora da minha vida"(...); "e que meu filho lê..."; "Contigo descobri a travessia do tempo na manhã..."

 

                  Além de reviver o poema de Casimiro, o poema de Gilberto Mendonça Teles busca inspiração  no mesmo para reviver, em sua maturidade, as lembranças bucólicas trazidas em sua memória: "Contigo comecei a ver e vi... o rio, a bananeira, a juriti e a tarde que cismava no quintal."

 

                  Casimiro representa a sensibilidade brasileira espontânea. Levou vida boemia e morreu de tuberculose. Sua poesia não foi muito inovadora, sendo considerado mais ingênuo dos românticos. Conhecido como "poeta da infância", fala muito da inocência perdida Trabalha também temas do chamado "romantismo descabelado": exílio e lirismo amoroso, conforme se depreende do seu poema supra.

 

                  A nostalgia da infância, o gosto da natureza, a religiosidade ingênua, a exaltação da juventude, a devoção pela pátria, são características deste autor lírico-romântico. O exagero no sentimentalismo e amor pela natureza, pela mãe e pela irmã, são encontrados nesta obra: "Oh! que saudades que tenho.."; "Que amor, que sonho, que flores..."; "De minha mãe as carícias, E beijos de minha irmã !". As emoções apresentam-se sem veemência, embaladas numa mistura de lembrança grata de algo a que se viu privado e um pesar, uma mágoa que tal privação lhe causou.

 

                  Gilberto Mendonça Teles (Bela Vista de Goiás, 30 de junho de 1931) é um poeta e crítico literário brasileiro, conhecido, principalmente, pelos seus importantes estudos sobre o modernismo e a vanguarda na poesia, tendo produzido trabalhos de pesquisa que apresentaram em ordem cronológica, inclusive, absolutamente todos os chamados "ismos" europeus e seus respectivos manifestos, desde o final do século XIX aos estudiosos e escritores brasileiros do século XX.

 

                  Gilberto transita com bastante naturalidade entre um regionalismo de sabor originário e uma postura mais experimentalista, porém, sem abandonar as conquistas vanguardistas e experimentais do modernismo de sua geração. A mão do poeta goiano apodera-se das formas mutáveis e instáveis da realidade, por intermédio de um particular imaginário aberto, dinâmico e encantadoramente lírico.

 

                  O autor moderno confessa que aprendeu muitas coisas com os poemas de Casimiro: "Contigo descobri a travessia do tempo na manhã, no amor, no medo...", "esta idéia de pátria, que persiste, veio de teus poemas, no momento em que tudo era belo e apenas triste". Observa-se o enaltecimento, o respeito e louvor ao poeta romântico.

 

 

                  Gilberto Mendonça Teles apresenta-se como um poeta solitário, individualizado, distanciado dos redutos intelectuais de seu próprio tempo. No poema "Meus Outros Anos", o poeta não vivencia novamente o passado, mas sim o passado sendo criado, recriado, construído e transformado no momento da composição. Esta implica ordenação das várias vivências - experiências vividas e imaginadas - sentidas pelo poeta no contato com sigo mesmo, com as dádivas de Casimiro de Abreu e com o seu imaginário em confronto com o contexto social em que vive. Sua lírica é a expressão da consciência reflexiva de sua emoção.

 

                  Conforme a lição sempre precisa de Massaud Moisés, a lírica do século XX  oferece-se como:

 

O pulso emocional de uma razão que enfrenta o mundo disposta a extrair dele um significado; o objeto da lírica é a pura significação nascente. O que na lírica se percebe é o nascimento de uma significação. Tudo o que nela vibra, fundamentalmente, nos vem dessa atitude palpitante da consciência, ao descobrir um novo sentido e ao manejar, em palavras, o novo sentido. [...] Compreender e significar, eis o processo e o termo da lírica.

 

                  Convém salientar que Gilberto Mendonça Teles é um poeta capaz de apresentar um projeto, onde transparece a racionalidade, lucidez e persistência marcantes e suficientes, para oferecer ao leitor, uma proposta que desvende as etapas e o alcance significativo de sua inspirada e trabalhada criatividade.

 

      O poema de Gilberto flui numa enganosa calma de águas transparentes, uma vez que a estrutura de sua corrente verbal está impregnada de energia, de intencionalidade, criando um ritmo mágico, capaz de consubstanciar a semântica poética em questão, dissimulando seus múltiplos "falares".

 

 CONCLUSÃO

 

 

                  A relação existente entre os dois textos (intertextualidade) ocorre através do pastiche (retomada de um texto em outro, de forma a tecer relações cúmplices). Como termo, pode-se deduzir que, das obras comparadas, transparece um diálogo entre um poema canônico de nossa Literatura (Meus Oito anos de Casimiro de Abreu) e uma releitura (forma mais particularizada de pastiche) que Gilberto Mendonça Teles realiza.

 

                  Infere-se que o autor modernista dirige-se ao poema de Casimiro de Abreu de uma forma muito elogiosa, além do que, a ideia de "outro", em "Meus Outros Anos" não indica uma influência, nem um empréstimo, mas sim, uma relação dialógica que o autor moderno estabelece, enquanto o autor romântico é centrado num sentimento íntimo. Na verdade, Gilberto Mendonça Teles reatualiza esse sentimento, mas não como uma saudade íntima apenas, mas mesclada com a própria leitura do poema de Casimiro, ou seja, intimidade e literatura se entrelaçam.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

 

 

 

MACHADO, Neuza. Criação Poética: Tema e Reflexão. NMachado: Rio de Janeiro, 2005.

 

_________________. Literatura Comparada: Notas de Aula. Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro, 2010.

 

MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. Edição revisada e Ampliada. Cultrix: São Paulo, 2004.

 

TELES, Gilberto Mendonça. A Retórica do Silêncio: teoria e prática do texto literário. Cultrix/MEC: São Paulo, 1979.