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Antropologia e Educação

 

INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO

 

A Antropologia não deve ser deturpada pela colocação das teorias à frente das necessidades. As teorias evolucionistas apenas reanimam velhos paradigmas. O estruturalismo clássico demonstra-se inconveniente, posto que tenta colocar "massa de pizza em forma pequena", i.é., busca encaixar a realidade dinâmica no interior de teorias inflexíveis. Em verdade, o modelo é que deve ser útil à realidade, não o contrário.

 

Os estudos antropológicos, excedendo os pensamentos evolucionistas, operou a noção de Relativismo Cultural, como uma maneira de entender o "outro", bem como a ideia de "observação participante", formas de interação com aquilo que é diferente. As duas noções supracitadas colaboram para a dialogicidade humana. Entretanto, alguns pedagogos arraigados à vida social hodierna, têm aniquilado certas culturas tradicionais. Um exemplo disso é o livro didático (impregnado de preconceito, racismo e diversas manifestações etnocêntricas). Os criadores de tal literatura reduziram regras culturais a regras que decretam a supremacia das estruturas dominantes.

 

Deveras, alunos e professores devem ter a consciência de que cultura está em qualquer lugar, em qualquer um, em tudo que existe na vida das pessoas. Educação deve ser entendida como processo de ensinar e aprender. Conceitualmente, educação é um conjunto de valores sociais, culturais, morais, éticos e espirituais que as pessoas ou a sociedade adquire. Educar transcende, ultrapassa o termo, é uma permuta incessante. A aula deve sempre ser dada como se fosse um trabalho de campo (observação e participação). Mestres e aprendentes devem estar harmoniosamente em busca de significados.

 

Sendo certo que o homem é produto do meio, uma construção social, é necessário que o ensino esteja sempre ligado às situações reais e atuais daqueles que aprendem, através da valorização da cultura local, em consonância com o macro da sociedade, e isso só é possível com o diálogo entre as disciplinas (interdisciplinaridade). O ensino não pode ser reduzido à mesmice, à reprodução eterna da mesma forma, sem que demonstremos preocupação constante com as mudanças culturais presentes nos grupos que ensinamos. Educadores precisam preparar cidadãos críticos (não papagaios). Mas para que isso seja possível, é necessário que ocorra uma urgente revisão curricular.

 

Notas de provas e conceitos não devem ter mais importância do que o aluno que aprende a pensar. Estamos acostumados a não levar em consideração o mundo do aluno. Os próprios livros didáticos, muitas vezes, têm se apresentado como praxe oca que nada acrescentam aos estudantes, e o que é pior, a maioria deles apresentam uma lógica uniformizante e etnocêntrica. Em verdade, o livro didático, ao invés de ajudar a formar indivíduos críticos, colabora ainda mais para robustecer estereótipos. A ênfase dada nos currículos atuais é o pensamento das culturas dominantes. Os pensamentos das minorias são ocultados, distorcidos ou desfigurados.

 

Nesse laço, observamos a ocorrência de um fenômeno denominado "hierarquização etnocêntrica", onde o bom gosto é obra da classe dominante, e o mal gosto é relativo à classe popular. É preciso mostrar que há outras culturas e valores tão válidos como os nossos. Assim, deve-se dar préstimo à nossa cultura, nosso grupo, porém sem formar guetos e, desta forma, não repetir as ações dos centros de poder. Os extremos nunca são inteligentes!! É importantíssimo que haja um diálogo entre o mundo da classe dominante com o dos oprimidos. A educação tem que alertar e fazer os alunos entenderem a interrelação que existe entre os preconceitos (e suas consequências) e as estruturas políticas, econômicas e culturais dessa nossa sociedade hegemônica.

 

Cabe ressaltar, que a Escola deve realizar um trabalho diário para tentar incluir grupos ditos invisíveis (homossexuais, idosos, mulheres, deficientes, etc.). Comemorações pontuais do tipo: "dia da consciência...", não são suficientes para dar visibilidade a esses grupos secundários e tidos sob o jugo tirano. Tais comemorações reforçam a criação de guetos, acentuando ainda mais as diferenças. Desta forma, a escola deve ser entendida com um local singular para se entender e mudar essa ideia preconceituosa. Para tanto, mister se faz criar novos e conscientes materiais curriculares. É de suma importância anunciar que vivemos num mundo radicalmente hierarquizado, muito embora seja um direito de todos, viver em integração. Mas devemos estar atentos aos exageros e aos preconceitos inversos, por isso, não se deve valorizar a cultura local em detrimento da universalidade de informações. É no global que se ditam as regras, e qualquer pessoa deve ter o direito à "cultura culta", bem como à possibilidade de filtrar o que interessa para sua vida prática. Pensar que atividades intelectuais acadêmicas são privilégio da classe social que se considera prestigiosa e que por isso detém poder e influência; enquanto as atividades técnicas e práticas ficam destinadas ao proletariado, é pura hierarquização.

 

No mundo dito "globalizado", onde havia crença e esperança de um intercâmbio cultural, de uma uniformização global, o que se verificou na verdade, foram movimentos de afirmação de valores culturais e fortalecimento de grupos minoritários, que basearam suas conquistas na intolerância e na exclusão onde, para um existir, o outro precisa ser eliminado. Neste sentido, uma educação que tenha como princípio a pluralidade cultural torna-se urgente e necessária. Estando a escola inserida nas relações sócio-culturais, não pode omitir sua responsabilidade em buscar um ensino voltado para práticas democráticas de respeito e tolerância para com as diferenças.  A escola deve ter o compromisso de tratar as várias culturas em pé de igualdade, fugindo de preconceitos e ideologias que considerem algumas delas superiores e outras inferiores.

 

A realidade atual é clara: não temos mais como esperar para mudar! Seja por questões econômicas, sociais, culturais ou políticas que afetem o cotidiano escolar, há urgência de os professores e o sistema buscarem alternativas. A tarefa é difícil. Quebrar velhos paradigmas, compreender processos difusos, abertos a múltiplas possibilidades parece mesmo amedrontador. Porém, temos que tomar o trem da história, tentar balizar seus caminhos e não simplesmente sermos atropelados por ele. Urge, pois, um novo modelo de racionalidade que recupere as dimensões perdidas do ser humano, uma razão aberta à dialogicidade, à alteridade e à solidariedade.

 


 

 

ETNOCENTRISMO X RELATIVIZAÇÃO 

 

Etnocentrismo é uma postura ou atitude onde a compreensão e a  interpretação de um grupo social é feita a partir dos valores do grupo que faz a avaliação, gerando, desta forma, uma espécie de cegueira moral, preconceituosa, cuja premissa maior será sempre considerar-se superior ao outro. Para o grupo etnocêntrico, uma ideologia contrária a sua é considerada uma espécie de injúria, inverdade, ameaça, insulto e violação à sua forma "certa" de pensar. Infere-se que o etnocentrismo é um fenômeno que ocorre em todos os setores da sociedade,

 

Conforme a lição sempre precisa de Carvalho (1997), o etnocentrismo tem sua gênese na "heterofobia" (o "outro" como alguém: primitivo, selvagem, louco, imaturo, homossexual, "homens de cor", crianças problemáticas, fascistas, baderneiros, "hippies", prostitutas, hereges etc... - constituem "ameaças" que devem ser banidos, aniquilados).

 

Deveras, o conceito de etnocentrismo parte do estudo do choque e da estranheza que se dá no encontro de dois ou mais grupos diferentes. Surge, então, o grupo do "eu" e o grupo do "outro", acreditando-se o primeiro; como real, absoluto e principal referência, e o segundo; como algo exótico, excêntrico, anormal, exuberante e primitivo.

 

Esta visão etnocêntrica perdura até os dias de hoje, posto que a Antropologia nasceu etnocêntrica, mas se repensou como ciência viva que questiona a si mesma. Por isso, passou a Relativizar.

 

A seu turno, o relativismo prega o oposto. Tudo é relativo, contrário a ideia absoluta ou categórica. Tal doutrina afirma que as verdades (morais, religiosas, políticas, científicas, etc.) variam conforme o tempo, o espaço, o grupo social e os indivíduos de cada lugar. Na verdade é o pensamento segundo o qual todo julgamento é relativo a algum padrão, seja qual for, e os padrões derivam de culturas, afinal, o mundo é uma mistura confusa de sociedades e grupos sobrepostos; e os indivíduos não seguem necessariamente o ponto de vista da maioria.

 

Cabe ressaltar que, se relativismo for levado a "ferro e fogo", prejudicará o conhecimento, entorpecendo o questionamento, gerando o conformismo e levando, inevitavelmente, à intolerância para com as minorias, cujas diferenças restarão sempre inaceitáveis.

 

É impossível pensar-se em antropologia (entender as diferenças e trabalhar com elas) sem o relativismo. Contudo, não se deve radicalizar. Nem oito nem oitenta. O importante é levar em conta a ética e o bom senso, pois não se pode relativizar afastando-se por completo dos próprios valores. Novos valores são colocados em questão, o que obriga a nos deslocarmos dentro de nós mesmos.

 

Corroborando o tema, conclui-se que relativizar é sair do próprio casulo. Deslocar-se até o mundo do outro, pedir licença, adentrar, aprender e regressar para o seu mundo engrandecido, pela consciência de que nossos valores não são os únicos e muito menos os perfeitos. Abre-se, então, as janelas da compreensão sobre aquilo que nos parecia estranho e, nesse instante, estar-se-á reduzindo o etnocentrismo arraigado à nossa essência, pela percepção das diferenças, compreendendo o próprio ser humano e a relação com o mundo que nos cerca. É considerando o mundo vivido que se pode aceitar as diferenças, a alteridade, as reações e a multiplicidade dos modos de vida controlados pelos significados construídos socialmente.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

CARVALHO, José Carlos de Paula. Etnocentrismo: inconsciente, imaginário e preconceito no universo das organizações educativas. Interface - Comunicação, saúde e educação, vol.1. 1997.

 

DAMATTA, Roberto. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia. Rocco: Rio de Janeiro, 1987.

 

MOREIRA, Patrícia. Caderno de Estudo Antropologia e Pluralidade Cultural - AVM. Rio de Janeiro, 2010.

 

_________________. Antropologia e Pluralidade Cultural: Notas de Aula. Universidade Cândido Mendes (IAVM), Rio de Janeiro, 2010.

 

ROCHA, Everardo. O Que é Etnocentrismo. Brasiliense: São Paulo, 2010

 


FORMULÁRIO PARA PESQUISA DE CAMPO

Antropologia Cultural

 


 Autor

 Luiz Antonio Costa Tarcitano

 

Grupo pesquisado:

 

 

BAILES FUNK

 

 

Como entrou no grupo:

 

 

Informando-me na agenda da equipe Furacão 2000 sobre o local e as datas dos bailes. Adquirindo ingresso na portaria dos locais escolhidos, e entrando normalmente como um freqüentador habitual de tais eventos.

 

 

Quais as atividades que participou? Descreva-as:

 

 

Escolhi pesquisar dois bailes funk, cujas freqüências fossem diferentes. O primeiro foi no OLIMPO - Vila da Penha (Av. Vicente Carvalho, 1450), frequentado por pessoas mais humildes, provenientes de comunidades carentes (Complexo do Alemão, Nova Holanda, Vila Cruzeiro, Mangueirinha, Cordovil, Brás de Bina, Colégio, Coelho Neto, etc).

 

O segundo baile foi observado numa casa de shows mais selecionada (NOVA ILHA DOS PESCADORES - Estrada Barra da Tijuca, 793 - Itanhangá), num bairro nobre do Rio de Janeiro (Barra da Tijuca), com funkeiros provenientes dos bairros Copacabana, Leblon, Lagoa, Tijuca, Grajaú, Leme, Ipanema, São Conrado, etc.

 

Observação do ambiente, freqüentadores, vestimentas, artistas, dançarinas, DJs, etc. Entrevistas (disfarçadas em conversas) com diversos integrantes do mundo funkeiro. Apreciação das letras e melodias das músicas. Participação nas danças, coreografias, brincadeiras, com vestimentas condizentes aos locais freqüentados (boné, calça larga, tênis, camiseta com estampa, etc).

 

O que compreendeu da lógica do grupo estudado?

 

 

Inicialmente, é preciso ressaltar que escolhi tais locais para pesquisar tendo em vista nunca ter ido a um baile funk, desconhecer praticamente todas as letras dos atuais hits, bem como estar desacostumado a freqüentar locais muito cheios. Como sou de outra geração musical (anos 70 e 80), o estranhamento ocorria justamente pela diversidade musical e ambiental.

 

No dia 30 de setembro de 2010, às 23:00h., adentrei na casa de shows OLIMPO, na Vila da Penha, onde estava acontecendo mais um dos tantos bailes da equipe Furacão 2000 - Armagedon.  Um grande salão sem mesas e cadeiras, repleto de gente jovem e animada, grandes caixas acústicas de onde saia um som ensurdecedor e ritmado, que embalava os corpos suados e coloridos dos seus freqüentadores pertencentes à mesma tribo. Na parte de cima, uma espécie de camarotes, também repletos da massa funkeira dançante. Muita bebida, inclusive nas mãos de menores de idade, meninas com pouca roupa (saias justas, shortinhos, decotes ousados, calças de cintura baixa), rapazes sem camisa e cueca aparente sob a calça, algum consumo de drogas (nos banheiros), apesar da grande equipe de segurança no recinto. Som, muito som!!! Apresentações ao vivo de alguns MCs. Equipes de gravação televisiva, mostrando apenas o que convinha. Passos coreografados. Alegria!!! Liberdade!!! Surreal!!! Som, muito som!!! Cerveja, Ice, Whisky, Vodca, nas mãos de quase todos (procurei não beber nada para poder analisar com lucidez, contudo, mantive sempre um copo na mão para não causar antipatia, porém, mantendo sempre um deslocamento interno). Comecei a conversar com as pessoas (atendentes do bar, moças, rapazes, seguranças) e percebi alguma lógica naquele grupo. Inicialmente, a conversa (entrevista) ficou um pouco prejudicada pelo barulho das músicas. Após algum período de adaptação, percebi que a comunicação tinha que ser rápida, posto que o interesse era quase sempre o mesmo (os rapazes, em se "se dar bem" com as meninas; as meninas em chamar a atenção do maior número de rapazes possível). Vi algumas pessoas armadas (não sei se eram seguranças disfarçados ou freqüentadores mal-intencionados). Vi consumo de cocaína no interior da pista e no banheiro. Vi pessoas passando mal por excesso de bebida (ou drogas). Pouquíssima gente consumindo alimentos. Vi quase sexo nos arredores da pista. Um sentimento de que, ali, tudo era permitido. Som, muito som!!! Gente suada, gente animada, gente que estuda ou trabalha ou não faz nada, gente!!  Pensei no meu tempo, nas festas e ambientes que freqüentava quando tinha aquelas idades e concluí: não há muita diferença (guardadas as devidas proporções). Também tinha drogas (talvez menos nocivas e mais camufladas); também tinha azaração e sexo (não tão explícito), também tinha som, muito som (rock 'n roll). Então entendi que as lógicas sempre foram as mesmas (um lugar onde tudo é permitido), mas cada qual a seu tempo, a seu ritmo, em seu espaço. Apesar de não ter gostado de ver pessoas portando armas de fogo (o que também tinha na minha época), saí dessa experiência flexibilizando meu gosto acerca da música funk, seu contexto social, sua ideia de sexualidade e glamurização. A relação entre funk e a marginalidade (fato este arraigado à minha mente), passou a ser contestada, haja vista a maioria dos freqüentadores daquele ambiente serem estudantes, trabalhadores, humildes, mas pessoas cuja principal finalidade era se divertir. A música pode ser comparada com uma espécie de heroína cultural, por apresentar o poder de incentivar, animar, tendo assim um valor energético, dando a coragem necessária para que cada um expresse medos, frustrações, raiva, alegria. Em nada difere do rock do passado, pois, seja qual for o sentimento, a música pode ampliar qualquer daqueles sentimentos supracitados. Nos dias de hoje, entende-se que é possível fazer música tanto com sons quanto com ruídos. Logo, músicas de batida acelerada mexem com o nosso organismo, fazendo-nos acelerar, saindo de um estado passivo para um outro, mais agitado, ao ritmo do que ouvimos. A música afeta o caráter e a sociedade, pois cada pessoa é capaz de trazer para dentro de si a música que acaba influenciando nos pensamentos, nas emoções, na saúde, nos movimentos do corpo, etc. Aprendi que não devo censurar a música somente por causa de mensagens violentas, vulgares e abusivas que ela promove ao mundo, pois a música, além de ser algo natural, também é cultural, e essa é cultura do funk.

 

No dia 02 de outubro de 2010, às 23:30h. Entrei na casa noturna denominada NOVA ILHA DOS PESCADORES, estrada Barra da Tijuca, 793, Itanhangá. Ambiente mais sofisticado, pista de dança espelhada, mesas e cadeiras à volta, banheiros limpos, garçons, DJs competentes, som bem alto, muita gente bonita e animada. Observei, conversei, dancei (pedi até ao DJ que tocasse um hit que conheci no baile do OLIMPO). As impressões foram as mesmas, guardadas as devidas diferenças de classes sociais freqüentadoras. Muita alegria, animação, homens pensando em sexo, mulheres também, um público um pouco mais velho (não vi menores de idade no recinto), e o funk "comendo solto". Bebidas alcoólicas de melhor qualidade (e maior preço), drogas mais sintéticas (ecstasy, comprimidos e cápsulas não identificáveis), energéticos (Red Bull, Flying Horse, Red Devil, dentre outros). Som quadriofônico nas alturas. Gente nas alturas!!! Mistura de funk e música eletrônica. Eletricidade geral!!! Ligação total!!! Também vi gente passando mal, principalmente do sexo masculino. Aí pensei... quantas vezes também vomitei os excessos da minha adolescência? Então ajudei alguns dos entrevistados (cheguei até a ligar para casa de um deles que se encontrava completamente incapacitado para dirigir). Relativizei meus valores. Passei a encarar o funk como elemento de integração, não mais um movimento de pessoas de baixa renda, pois, a partir do momento em que a classe média e alta começaram a consumir o funk, ele deixou de ser um "símbolo de estigma" para tornar-se um "símbolo de prestígio". Rompem-se as fronteiras de classe e de cor, pois, nos bailes examinados, os jovens de classe média e alta, partilham da mesma dança, do mesmo som, de um mesmo repertório de gírias, da mesma emoção, do mesmo hábito social, daqueles de classe baixa. Deu para perceber que o funk não é "som de preto, de favelado" que está sendo ouvido pela playboyzada. Ele opera em diferentes segmentos socioeconômicos.

 

Cabe ressaltar que a identificação dos entrevistados com o funk é muito mais relativa à "batida" e ao "som" do que às letras das músicas e ao estilo. A maioria dos entrevistados afirmou não se identificar com o estigma de "funkeiros".  Ou seja: apesar da utilização de predicativos torpes para a descrição do baile de comunidade, "homem da favela"  e "mulher funkeira" (vulgar), além da necessidade de afirmação do distanciamento do que seria o "estilo funkeiro", isso não impede que se veja algum tipo de potencial integrador no consumo de funk pelas classes médias e altas. Diversamente, os relatos dos jovens entrevistados parecem não reforçar a utilização do campo cultural como espaço simbólico de reafirmação das distâncias sociais.

 

Antes de participar dessa experiência de campo, eu criticava o funk por achá-lo pobre em criatividade, por muitas vezes apresentar uma linguagem obscena e vulgar apelando para letras obscenas, com apologia ao crime, drogas e tráfico, e à sexualidade exacerbada, mas ao observar in loco os eventos acima expostos, relativizei meu pensamento conservador. As músicas adequam-se às mentes da sua geração. Querendo eu, ou não, essa é a geração funk, inclusive, como complemento da minha pesquisa, descobri que, desde setembro de 2009, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou projeto definindo o funk como movimento cultural e musical de caráter popular. Hoje creio que esse tipo de música pode me causar algum prazer (me faz lembrar de toda essa experiência e dos momentos lá vividos). Melodias fortes e ritmadas (até adquiri alguns CDs e passei a ouvi-los no carro). Como professor de Língua Portuguesa e Literatura, percebi que Funks são poemas musicados indignados, dançantes e dominadores. Quando ouvi o funk em alto e bom som, senti a força da batida imensa daqueles corações que gritavam inutilmente, aí entendi, o funk não um modismo, é uma necessidade dessa geração e não sinônimo de bandidagem ou vagabundagem, pois "quem julga o que não vê condena o que não sabe"  (frase retirada da traseira de um caminhão).

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

 

DAMATTA, Roberto. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia. Rocco: Rio de Janeiro, 1987.

 

 

MOREIRA, Patrícia. Caderno de Estudo Antropologia e Pluralidade Cultural - AVM. Rio de Janeiro, 2010.

 

 

VANNUCCHI, Aldo. Cultura Brasileira: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.

 

 

MARTINS, Sérgio. Funk com ficha: Cerol na Mão, o grande sucesso do grupo Bonde do Tigrão, usa gírias de traficantes. 09 mai. 2001. Veja On Line. Disponível em: < https://veja.abril.com.br/090501/p_141.html>. Acesso em: 03 de outubro de 2010.